Os caminhos obscuros de gente como o assassino de Danilo Cezar 552a51
Railson de Melo Ponte, o "Maranhão", matou outra vítima no estado de origem, aos 21 anos, mas não ficou preso 3p222u
De Bom Jardim, no Maranhão, para Cachoeira Alta (GO), e de lá para Campo Grande (MS). Tem 2,5 mil quilômetros a linha traçada pelos registros oficiais para Railson de Melo Ponte, 27 anos, desde sua saída da terra natal, na ponta de cima do Nordeste, já ladeando o Norte do País, e sua prisão, pelo assassinato do mestrando em Antropologia Social da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Danilo Cesar de Jesus Santos, de 29 anos, ocorrida na manhã de 8 de março, quarta-feira.

Entremeado nesse trajeto tem um pacote de eventos simbolizadores da vida de brasileiros abaixo do nível mínimo de cidadania e civilidade. A essa espécie de zumbi urbano, nem sempre a Justiça alcança quando am da fronteira da vulnerabilidade social para a da criminalidade, do vale-tudo, muitas vezes para sustentar o abuso de substâncias lícitas, como o álcool, e ilícitas, feito pasta base de cocaína, a vulgar zuca.
Pelo histórico de Railson declarado às autoridades, ele não tem nem o ensino médio. Envolveu-se com o crime ainda antes dos 20 anos. Sua trajetória é recheada de evidências de consumo de drogas e prestação de serviços ao tráfico de pequena monta, afora outros crimes.
Quando da prisão na semana ada, informou que chegou a utilizar-se da estrutura mantida pela prefeitura de Campo Grande para as pessoas em situação de rua, sem aparente êxito.
Por aqui, era figura conhecida de frequentadores dos arredores do Centro de Campo Grande, em qualquer horário do dia. Nem a rede pública, nem qualquer iniciativa de solidariedade a pessoas nessa situação o tiraram de caminhos obscuros.
“Eu tava de boa, eu tava lá sentado, eu nem imaginava que isso ia acontecer”, foi a frase usada por ele para descrever a morte de Danilo no momento no qual foi encontrado por policiais, na caçada ao matador do mestrando em antropologia social.
trecho de depoimento na delegacia de polícia civil
Sua captura foi no entorno do Santuário Perpétuo Socorro, atuando como cuidador de veículos na rua. Quem frequenta a igreja rotineiramente já o encontrou por aqueles lados.
Fria e sem qualquer indício de arrependimento, a declaração acima foi feita mesmo depois de Railson ter sido procurado por amigos de Danilo Cezar, que o reconheceram na imagem feita no lugar de onde eles saíram, juntos, para um desfecho trágico.
Na terça-feira (7), a força-tarefa em busca de Danilo conversou com Railson e ele mentiu sobre o destino da vítima, dizendo não saber do rapaz desaparecido. Só itiu quando confrontado pelos policiais, já sem alternativa.
Danilo foi o segundo homem que confessou ter matado. O outro caso foi seis anos atrás e até agora, não houve responsabilização.
Vida pregressa 6s5e1p
Railson tinha 21 anos quando assassinou Leonardo Gomes Rocha dos Santos, em Bom Jardim, na madrugada de 21 de maio de 2017, em circunstâncias que a Capivara Criminal não conseguiu esclarecer junto às autoridades. É fato documentado que, procurado por policiais militares, apresentou-se menos de 12 horas depois na Delegacia de Polícia Civil de São José do Caru.
Foi levado a outra cidade vizinha, Santa Inez, para a unidade regional da polícia judiciária maranhense.
No dia 23 de maio, saiu pela porta da frente, com o alvará de soltura do juiz responsável por avaliar a prisão.
“No caso em comento, não se encontrou o autuado cometendo a infração ou acabando de cometê-la (flagrante próprio), tampouco houve notícia que ocorrera perseguição ininterrupta logo após a prática do fato (flagrante impróprio), não tendo, ainda, sido encontrado com o autuado, nenhum instrumento, arma, objeto ou papel que fizesse presumir ser ele, o autor do ato infracional imputado (flagrante presumido), sem ter havido qualquer perseguição ao mesmo, conforme depoimento dos condutores realizou-se apenas uma busca, uma diligência, não havendo a necessária continuidade na perseguição. Resta assim evidente a inexistência de estado flagrancial previsto no inciso III, do art. 302 do C.P.P.”, justifica o despacho determinando a soltura.
Trecho de decisão que soltou Railson em 23 de maio de 2017
“Não sabia” 1z5y12
Na mesma decisão de liberdade, está informado que o jovem preso “não sabia que havia causado o óbito de Leonardo”.
No interrogatório em Campo Grande, no contexto de outro homicídio confessado a policiais, – segundo gravação anexa ao auto de prisão protocolado na Justiça – Railson novamente alegou ignorar ter tirado mais uma vida. A vítima ficou desaparecida por três dias, depois de ser vista pela última vez junto com um homem conhecido por “Maranhão”, na saída de uma balada no Centro da cidade, na madrugada de domingo (5 de março de 2023).
Leia mais n1u6n
“Maranhão” é o apelido de Railson de Melo Ponte em Campo Grande, obviamente em referência a sua origem. Costumava ficar pela frente do lugar, e fazia serviço de leva e traz de entorpecentes, era espécie de “facilitador”, de acordo com a apuração policial.
Por diversas vezes no depoimento de meia hora sobre a morte de Danilo Cezar, ele diz: “eu não sabia que o cara ia morrer”, “eu não imaginava”. Alega tê-lo golpeado para desmaiar e tentar pegar o celular da vítima e um valor de R$ 50,00. Afirma em tom pejorativo, com alta carga homofóbica, ter feito isso também para repelir contato sexual.

Ficou preso 6el1
Dessa vez, a atitude da Justiça foi diferente. Embora tenha sido capturado por infração penal menos gravosa, ocultação de cadáver, pois não foi pego durante o crime de homicídio em si, “Maranhão” teve a preventiva decretada.
Aplicou-se o raciocínio de que representa perigo solto, não tem trabalho nem endereço, aliado ao fato de ter antecedentes e condenação em outro estado.
Além da prisão por abandonar Danilo Cezar sem vida em um terreno baldio, foi indiciado por homicídio com três qualificadoras, motivo torpe (homofobia), asfixia (disse ter aplicado um golpe mata-leão na vítima) e recurso que impossibilitou a defesa da vítima (o ataque foi pelas costas).
Foi solicitada pelo delegado do caso, José Roberto de Oliveira Junior, a prisão preventiva por esses fatos, a serem esmiuçados no inquérito policial. A peça está prestes a ser concluída, por se tratar de investigado encarcerado. Laudos de perícia vão confirmar a causa da morte e, ainda, se houve algum tipo de ato sexual entre vítima e assassino confesso.
Crimes e vida na rua r333g
Não foi o primeiro, nem o segundo, e muito menos o terceiro encontro de Railson com agentes da segurança pública em Campo Grande. A Capivara Criminal localizou duas dezenas de agens de “Maranhão” por ambientes policiais, como autor, vítima e testemunha.
Durante a confecção dos registros, ele já se apresentou como coletor de recicláveis, como atendente de lanchonete e cuidador de carros, com endereço fixo. Nas últimas oportunidades, ou a se declarar como morador de rua.
Em seu nome há ocorrências de extravio de pertences pessoais, vias de fato com outras pessoas em situação de rua e tráfico de entorpecentes. Aparecem, ainda, registros de resistência à abordagem de equipe da GCM (Guarda Civil Metropolitana) de Campo Grande.
Em junho do ano ado, no dia 22, “Maranhão” foi preso pela Denar (Delegacia Especializada de Narcóticos) com trouxinhas de maconha e pasta-base. Alegou aos policiais ter sido contratado, por telefone, por um homem, para fazer a entrega do entorpecente na Praça Aquidauana, na região central.
Em agosto de 2022, confusão levou Railson para a delegacia. O fato aconteceu na 14 de Julho, no trecho próximo da Dom Aquino, não muito distante da antiga Rodoviária de Campo Grande, transformada ao longo dos anos em cracolândia.
Ele e um jovem de 21 anos, estrangeiro, se enfrentavam no meio da rua, por um motivo não explicado na ocorrência policial. Foram levados para a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário), localizada na Padre João Crippa, onde foi feito um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência) por vias de fato recíprocas. Nesse caso, o documento vai para o juizado especial criminal e os envolvidos têm seis meses para decidir se querem levar o caso à frente.
Ambos não apareceram em juízo. O procedimento foi arquivado em fevereiro deste ano.
Dívida com a Justiça maranhense 376561
Tudo isso aconteceu com “Maranhão” enquanto ele deveria estar cumprindo pena por um roubo cometido em seu estado de nascença, em 2016. A punição foi de seis anos de reclusão.
O condenado chegou a cumprir parte dessa reprimenda em 2019, quando foi preso em Cachoeira Alta (Goiás). Assim que progrediu para o regime aberto, sumiu, atesta o acompanhamento no sistema de execução penal.
Pelos acontecimentos policiais, o destino foi Campo Grande.
Ao ser ouvido pela morte de Danilo Cezar, “Maranhão” disse estar morando na rua há mais de um ano. Sua versão é de ter sido vítima de um crime, quando morava no bairro Taquarussu, e por isso perdeu tudo.
No interrogatório, fala do assassinato cometido aos 21 anos, também sem remorso.
“Falou que ia me matar, eu matei ele, entendeu, e deu legítima defesa”, responde ao ser perguntado pela autoridade policial a respeito de condenações anteriores.
Para o delegado, diz que o inquérito sobre o homicídio no estado nordestino está arquivado, porém a busca pelas informações no sistema on-line do judiciário revela outra realidade.
Depois de tentar várias vezes interrogar o réu, a Justiça do Maranhão levou o feito avante sem o depoimento dele. Nesse momento, a ação penal está conclusa para o magistrado decidir se vai ou não mandar Railson a júri popular.
Em Campo Grande, diante da decretação da prisão preventiva, ele seria levado para um presídio estadual, onde vai esperar o andamento da investigação do assassinato de Dan, forma carinhosa de tratamento da vítima campo-grandense.
O caminho agora é a conclusão do inquérito, o encaminhamento ao Judiciário, para que o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) proceda a denúncia e uma das varas do Tribunal do Júri dê início à ação penal.