Marãiwatsédé: coordenador regional da Funai e PM estão entre os presos em operação da PF 174918
Cacique xavante receberia cerca de R$ 900 mil mensais para arrendar área de terra indígena 6k1z26
O coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) em Ribeirão Cascalheira, Jussielson Gonçalves Silva, o sargento da Polícia Militar Gerrard Maxmiliano Rodrigues de Souza e o ex-PM Enoque Bento de Souza, ambos do Amazonas, foram presos preventivamente pela Polícia Federal na operação Res Capta, nesta quinta-feira (17). Eles são suspeitos de fazerem parte de um esquema de arrendamento ilegal de áreas na Terra Indígena Marãiwatsédé para criação de gado.

Um dos envolvidos seria o cacique xavante Damião Paridzané, que receberia cerca de R$ 900 mil mensais para permitir os crimes ambientais. Alvo de buscas, com ele a PF apreendeu uma caminhonete SW4 avaliada em R$ 366,9 mil, e dentro dela uma mala com R$ 13.600 em notas de R$ 50. O veículo está no nome de um fazendeiro, que teria dado o automóvel ao cacique em troca do arrendamento de áreas.
Além dos valores pagos ao indígena, fazendeiros também teriam feito pagamento de propina a servidores da Funai. Os valores ainda são levantados pela PF.
Ordens judiciais 2x4r3u
A PF cumpriu os sete mandados de buscas e sequestro de bens, dois de afastamento de cargo público, duas ordens de restrições ao porte de arma e 15 medidas cautelares. As ordens foram cumpridas em Ribeirão Cascalheira e Barra do Garças, a 893 km e 516 km de Cuiabá, respectivamente. Uma pessoa também foi presa em flagrante por porte ilegal de arma de fogo sem registro.
A Justiça Federal determinou ainda a retirada da área, em até 45 dias, de todas as 70 mil cabeças de gado, avaliadas em R$ 210 milhões. Segundo a Polícia Federal, os arrendatários vão responder criminalmente e serão indiciados. Eles seriam moradores de outros municípios.

Investigação 3b45h
As investigações começaram em 2021, depois que a PF recebeu denúncia de que servidores da Funai de Ribeirão Cascalheira estariam recebendo propina para arrendar terras da Marãiwatsédé a fazendeiros. Entretanto, o esquema estaria ocorrendo desde 2017. Naquela época, o valor cobrado pela propina era de R$ 8 por cabeça de gado. Agora, são R$ 30 por animal, apontam as investigações.
O número de terras arrendadas, que atualmente é de 15, já chegou a 50, entre arrendatários e subarrendatários. Alguns deles teriam sido expulsos por não terem conseguido pagar propina.
Somente em quatro das áreas arrendadas, os danos ambientais provocados por causa de queimadas para formar pasto e desmatamento para construção de curral somam R$ 58 milhões, afirma a PF, que não descarta a participação de frigoríficos no suposto esquema.
Conversas interceptadas e depósitos bancários 2i4v2s
O cacique Damião é presidente da Associação Boiu Marãiwatsédé. O levantamento da PF aponta que um dos arrendatários depositou na conta do cacique, entre abril e outubro de 2021, R$ 317 mil. Outro fazendeiro teria feito depósitos que somaram R$ 80,4 mil entre fevereiro e novembro do ano ado. O cacique prestou depoimento à PF em Barra do Garças, mas já foi liberado.
Conversas interceptadas pela PF entre Jussielson e o cacique revelam que o recebimento pelos arrendamentos era controlado por meio de envio dos comprovantes de pagamento para um grupo de WhatsApp istrado pela coordenação regional da Funai e que os pagamentos tinham que ser feitos até o dia 15 de cada mês.

Ainda conforme os diálogos, atualmente os envolvidos arrecadam, de forma ilícita, R$ 899 mil por mês. De acordo com as investigações, a gestão dos arrendamentos, que chegou a ser feita pelo cacique, atualmente era executada por Jussielson e pelo policial militar e ex-policial militar presos na operação.
Na conversa, Jussielson fala que a expectativa é que o cacique pudesse ganhar R$ 1,5 milhão com o esquema até o próximo ano.
Veja abaixo os diálogos interceptados pela PF: 61j4z
– Jussielson: Não, cacique. Não é escondido não. A gente não falou com o senhor que vai começar a medição do pasto, pra aumentar o valor do arrendamento?
– Cacique Damião: E porque não aparece lugar onde que pra medir? Agora fazer reunião lá na sala, da Funai. O que é isso!
– Jussielson: Tá vindo um por um, cacique. Não é reunião não. Pelo amor de Deus. Tá vindo um por um. Não pode fazer reunião. Tá vindo um por um. Hoje veio outro fazendeiro. A partir de amanhã o pessoal tá descendo pra começar a medir o pasto lá. Não, não é reunião não, cacique. Pelo amor de Deus.
– Cacique Damião: Bom, eles tão reunindo com você é lá na sala? Eu não entendi isso.
– Jussielson: Olha só. A gente tá chamando um por um pra explicar o que a gente vai fazer com relação à medida do pasto. A gente falou pro senhor que ia fazer isso. O senhor deu a autorização. O senhor lembra que a gente falou: “cacique, tem gente que tá com muito pasto que tá pagando pouco. A gente vai medir pra poder atualizar esse valor”. Aí o senhor falou: “tudo bem”. Agora a gente tem que explicar como… porque eu só posso ir lá quando o cara tiver lá na área dele. A gente num pode entrar lá na área e não ter o dono lá do gado porque a gente tá levando drone e estamos pagando pelo drone. Então esse cara tem que tá lá esperando a gente, senão a gente vai entrar lá e não vai ter ninguém esperando, e a gente vai ficar como? Como eu vou entrar na fazenda dos outros se o dono não tá lá esperando?

– Cacique Damião: Hum.
– Jussielson: Então o que acontece, o cara vem aqui, a gente fala o dia que vai lá e ele nesse dia vai tá lá esperando a gente. O senhor tá entendendo? Não é reunião não, é porque tem que vir, é obrigatório eles virem aqui na Funai.
– Cacique Damião: Bom, é só que eu não achei ruim… achei bom não porque se for a que tá no retiro ou zona de gado, eu gostaria ir duas pessoas, três pessoas. Você já pediu autorização e eu autorizei. Só que me deu susto, tem quatro, seis pessoas lá na sua sala.
– Jussielson: Não, quem tava… hoje na reunião tava eu, Max, Enoch, veio o senhor da fazenda com o… aqueles pessoal que eles botam lá tipo caseiro, né, e a esposa dele. O senhor viu todo mundo e acha que é muita gente? Não, pô. É eu, Max, Enoch, tava o dono da fazenda lá, né, o dono da área que arrenda, o caseiro e a esposa. Só a gente. Eu não fiz nem na minha sala, fiz na entrada da Funai. Lá na recepção. (…)
– Jussielson: Porque tem gente roubando o senhor, cacique. Tem gente roubando o senhor (…)
– Jussielson: Porque ele é pra pagar 200 mil e paga 80 mil. Esse pessoal tá tudo com medo. Eu tô lhe falando. Eu num tô fazendo nada escondido do senhor, tudo que eu tô fazendo aqui… O Max amanhã vai tá já lá, medindo duas áreas, tá levando o drone, e ele aproveita e conversa com o senhor do que ele vai fazer, tá bom? (…)
– Jussielson: É como eu falei pro senhor: até o ano que vem, o senhor tem que tá ganhando um milhão e meio. Até o ano que vem (…)
– Jussielson: Cacique, o cacique Justino… a terra dele é muito grande pelo que ele paga. Tô logo lhe adiantando. A gente vai ter que… aí, vamos ter que sentar com o senhor e o senhor vai definir o que é melhor: tirar ele ou ele pagar o que tem que pagar. A terra dele é gigante demais. É 10 mil hectares (…)
– Jussielson: Essa semana agora que vem já vamos começar a pressionar o pessoal pra fazer o pagamento, tá?
– Cacique Damião: Tá. tá bom. ótimo.

Outro lado 1o5c4
Por nota, a Funai disse que “que não coaduna com nenhum tipo de conduta ilícita e está à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações”. Afirmou também que o arrendamento de terras indígenas é vedado e que o coordenador será afastado da função.
O Primeira Página ainda tenta ouvir a defesa dos demais envolvidos.
Desocupação 535f
A PF e outras forças de segurança federais já realizaram operações de desintrusão de não indígenas em Marãiwatsédé, território de 165 mil hectares reconhecido como da etnia xavante. Em 2014, por exemplo, aproximadamente 2,4 mil pessoas foram retiradas da área.