Joao Arcanjo vai ao STJ para anular condenação de 20 anos atrás 6l1c5o
Defesa cobra homologação de acordo de extradição entre Brasil e Uruguai, que exigia novo julgamento para o "Comendador Arcanjo", mas não foi cumprido 3g4v49
Mais de duas décadas depois, ainda é objeto de batalha judicial no Brasil a prisão no Uruguai de João Arcanjo Ribeiro, o “Comendador Arcanjo”. Os advogados daquele que durante anos e anos foi considerado o barão do crime organizado no Mato Grosso tentam fazer valer uma condição imposta pela justiça uruguaia para devolver Arcanjo ao Brasil, e que não foi cumprida.

Embora tenha se ado tanto tempo, a meta da defesa de Arcanjo é anular a condenação e provar que sofreu constrangimento ilegal pelo estado brasileiro. Em casos assim, pedidos de indenização também são possíveis.
“É que, conforme se depreende do art. 621 do P [Código de Processo Penal], uma das hipóteses de cabimento da Revisão Criminal está calcada na existência de prova nova acerca de sua inocência ou circunstância que demonstre o evidente erro judiciário praticado, tal como no caso”, argumenta petição apresentada ao Judiciário neste ano.
Trecho de peça processual
“Por outro lado, consoante o art. 622 do P, mesmo após a extinção da pena, poderá ser requirida a revisão criminal, havendo efetivo interesse processual do Requerente em buscar o reconhecimento do constrangimento ilegal por ele sofrido”, prossegue o texto.
Entenda a história 194t3n
O debate judicial envolve ação penal de 2003 na Justiça Federal, cujo resultado foi a aplicação a Arcanjo de pena de 11 anos de prisão por lavagem de dinheiro e operação de instituição financeira de forma ilegal. A punição inicial chegava perto dos 40 anos, porém foi reduzida em segundo grau, pelo TRF1 (Tribunal Regional Federal da primeira região.
Ocorre que quando acusação foi processada, o réu estava foragido e foi intimado por citação, em razão de não ter sido localizado pessoalmente.
Depois da prisão, em abril de 2003, o Uruguai só aceitou a extradição se o Brasil desse a João Arcanjo o direito de um novo julgamento nesta ação. Isso porque nas leis locais, não é permitido o julgamento à revelia, ou seja, sem a participação do réu.
Obedecer a essa condicionante é uma previsão contida no tratado de extradição entre Brasil e Uruguai vigente à época. O pacto era de 1916. Quando foram pactuadas as regras dos países integrantes do Mercosul, continuou esse entendimento.
“Verifica-se que, há mais de um século, é condição sine qua non para o deferimento da extradição que a conduta praticada pelo extraditando seja considerada crime em ambos os países, sem a qual esta não se faz possível.”
Trecho da petição da defesa de Arcanjo ao Superior Tribunal de Justiça)
Por essa regra, chamada de princípio da dupla incriminação, quando os países têm legislações diferentes, pode haver esse tipo de imposição para uma extradição. O Brasil, por exemplo, costuma não permitir a devolução de cidadãos a países onde há pena de morte, punição fora do lei por aqui.
Na época, foi aceita a condição do Uruguai pelas autoridades brasileiras, mas o novo julgamento de Arcanjo nunca existiu em relação ao processo em questão. Documento com a anuência foi anexado a processo judicial.
Confira abaixo:

Agora, cumprindo pena em regime aberto e com essa condenação já expirada, João Arcanjo insiste em fazer valer o combinado de vinte anos atrás entre as nações uruguaia e brasileira.
O capítulo mais recente começou em abril de 2023 e teve resposta no mês de setembro, no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Foi impetrado pela banca de advogados Adamek e Monte, de Brasília, um instrumento chamado homologação de decisão estrangeira.
O STJ negou o pedido. Nas palavras da ministra Maria Teresa de Assis, presidente da corte, o deferimento do pedido de extradição “implica entrega do extraditando ao Estado requerente, o qual fica submetido à jurisdição deste. Assim, a entrega representa a própria eficácia do instrumento cooperatório”.
Pelo entendimento expressado no despacho, a entrega do cidadão ao país de origem, “independe, portanto, de validação ou convalidação judicial do estado requerente”.
Na visão da ministra, o caminho para consolidar o acordo não é a via jurídica.
“O ato se perfaz pelas vias diplomáticas e istrativas. Nesse sentido, a ação de homologação de decisão estrangeira não é instrumento destinado a conferir eficácia à decisão que, no país de origem, concede a extradição, até mesmo porque esta se concretiza por outros canais. Não fosse assim, a entrega não se realizaria enquanto a decisão estrangeira não fosse judicialmente chancelada pelo Estado requerente”.
Trecho de decisão do STJ
No mesma petição, os defensores de Arcanjo apresentaram alternativa de concessão de um habeas corpus, caso a corte não acatasse a solicitação de homologação da determinação do Uruguai. A reposta também foi contrária.
“Por fim, afasta-se a pertinência do pedido de concessão de habeas corpus de ofício por esta Presidência. A uma, porque o âmbito de cognição da ação de homologação da decisão estrangeira não permite uma análise exauriente da situação jurídica descrita pelo agravante de modo a permitir proclamações que perem por afirmações de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. A duas, porque conforme o próprio agravante assinala, há recursos e ações de impugnação que ainda não foram apreciados sendo aqueles caminhos de provocação processual já estabelecidos os mais adequados para que as autoridades jurisdicionais competentes se manifestem, se o caso, sobre eventual concessão de ordem de ofício”, vota a ministra.

Agora cabe aos representantes do comendador tentar novos recursos para seu intento. A situação é incomum e por isso, fontes ouvidas pela Capivara Criminal opinaram que a batalha ainda pode demorar bastante tempo, diante de seu quase ineditismo e das complexidades envolvidas no direito internacional.
Enquanto isso, João Arcanjo segue em regime aberto pelas sentenças já recebidas, e segue como réu em outras. Tramita contra ele, por exemplo, processo derivado da operação Mantus, de 2019, para desbaratar duas organizações exploradoras do jogo do bicho.
Essa ação penal, conforme apurou a Capivara Criminal, segue em curso na Justiça em Cuiabá.
De Goiás para a polícia em MT, da polícia para a jogatina 325f31
João Arcanjo Ribeiro nasceu em Goiás e veio para o Mato Grosso ainda antes da divisão. Foi policial na região sul do estado, hoje o Mato Grosso do Sul, e depois da criação do novo estado, ou a morar em Cuiabá (MT).
Contam as investigações sobre suas atividades ilegais, pelas quais cumpriu quase duas décadas de prisão, que houve um grande acordo entre os grupos exploradores do jogo do bicho e Arcanjo ficou com o mando do jogo de azar no Mato Grosso.
Sua atuação ilegal, conforme os processos sofridos, foi além da loteria ilegal. Foi processado por encomendar assassinatos, lavagem de dinheiro e até desvio de dinheiro público.
Na operação Arca de Noé, de 2002, a acusação foi de participar de esquema milionário de desvio na Assembleia Legislativa do Mato Grosso, junto com parlamentares, por meio do uso de cheques de sua factoring.
Essa ação ficou parada por bastante tempo, foi retomada no ano ado, como mostrou a Capivara Criminal, e neste ano veio a vitória para João Arcanjo. Foi reconhecida a prescrição punitiva. Ou seja, o estado perdeu o prazo para culpabilizar o réu pelos crimes imputados a ele.
Essa decisão tem a ver com a idade de Arcanjo. Depois dos 70 anos, os prazos de prescrição contam pela metade. Aos 72, o Comendador foi beneficiado por ser idoso, depois de uma vida sendo apontado como criminoso.