Confronto em que Vito morreu ainda não tem culpados l564s
O confronto entre indígenas e policiais militares em Amambai completa um ano no dia 24 de junho, e até agora não há responsáveis apontados. 3b714u
No dia 25 de abril de 2023, despacho do MPF (Ministério Público Federal) cobrou da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul relatório sobre as investigações da morte do indígena Vito Fernandes, de 42 anos, ocorrida em 24 de junho do ano ado, em Amambai, município na ponta sul do estado. O órgão ministerial solicitou também a tomada de depoimento de testemunhas, entre indígenas e policiais militares.

O confronto entre indígenas e policiais militares já tem dez meses e até agora não há responsáveis apontados. Graças a autorização judicial, a vítima foi enterrada no solo onde tudo aconteceu, lugar que seus parentes chamam de “mãe terra”.
Vito é mais uma das vítimas do conflito de décadas, travado entre as comunidades Guarani-Kaiowá e donos de fazendas onde estão áreas reivindicadas como terras ancestrais. A morte do integrante da aldeia Amambai está na galeria dos símbolos de uma guerra longa, com batalhas sangrentas de tempos em tempos, sem sinal de armistício.
Em oposição, brasileiros originários e não-índios, pessoas que ocuparam terras sul-mato-grossenses ao longo do povoamento da região, em geral para atividade rural.
No meio, o poder público, o mediador nato da querela histórica, cujos aplicadores (do Executivo e do Legislativo) adiam a tentativa de solução do problema desde a Constituição de 1988, quando foi definida a demarcação de todos os territórios classificados como indígenas no Brasil.

Prazo para conclusão 4t1v5u
No andamento mais recente do caso, conforme a informação obtida pela Capivara Criminal, além da produção do relatório de investigações, é solicitada pelo MPF a confrontação entre as informações colhidas pelos policiais federais e aquelas levantadas pelo órgão sobre os fatos daquele dia. O MPF abriu um procedimento para averiguar os fatos logo após acontecerem.
O prazo dado à Polícia Federal para terminar a apuração é de noventa dias. Noves fora, equivale a calcular para o fim de julho a conclusão do inquérito, se não for solicitada nova prorrogação pela polícia judiciária federal.
Em dias, serão quase 400 desde a data do confronto.
Não é rotina 5vc64
Apurar homicídios é uma situação rara na Polícia Federal, pois só casos específicos são de competência da corporação. Entre as exceções, estão inquéritos envolvendo conflitos que possam ter característica de ofensa aos direitos dos indígenas.
Ao pedir a comparação do material informativo já recolhido, o MPF relaciona o laudo pericial feito por antropólogo ligado ao órgão. Em resumo, o documento identificou que os imóveis da fazenda não haviam sido depredados, como descrito nos registros policiais das forças de segurança estaduais.
Foi a intervenção da DPU (Defensoria Pública da União) e da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul que levou o processamento da situação para a esfera federal.
Decisão nesse sentido foi tomada em primeiro de setembro, quando o juiz estadual declinou da competência para cuidar do feito, encaminhando à Justiça Federal, a pedido do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), depois da provocação das defensorias.
O entendimento foi confirmado em novembro de 2022 por decisão da Justiça Federal, na qual foi rejeitado pedido de prisão de seis indígenas, feito pela Polícia Civil, ao concluir inquérito, sem apuração do responsável pela morte de Vito Fernandes, pois essa parte estava a cargo da Polícia Militar.

“Dado o conjunto de declarações reunidas no caderno investigativo, de indígenas integrantes da referida aldeia, e do servidor da FUNAI [nome preservado pela reportagem] somadas às intervenções da DPU e DPE/MS, em conjunto – para o fim da tutela da minoria dos indígenas –, e do MPF – que, inclusive, instaurou procedimento istrativo para apurar e acompanhar o conflito –, assume-se a persecução dos supostos crimes cometidos se dá sob o contexto da disputa sobre direitos indígenas e a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por comunidades indígenas”, delimita o despacho na Justiça Federal.
Dois lados, duas versões 3d6d16
O “Massacre de Guapo`y”, como o ocorrido é retratado entre os representantes dos indígenas, é um daqueles acontecimentos com narrativas antagônicas. Do lado da comunidade envolvida, a afirmação é de que – sem ordem judicial de reintegração de posse – a Polícia Militar enviou tropa ao local depois da “retomada”, termo de uso comum por eles para a entrada em áreas tidas como ancestrais.
Do outro, a Polícia Militar sempre alegou ter ido ao lugar para combater crimes comuns, como invasão de domicílio, ameaça e dano ao patrimônio privado. A versão dos policiais militares retrata uma recepção violenta, com tiros e ataques a flechadas. Segundo dito, policiais foram atacados e ficaram com marcas das agressões.
Um helicóptero usado na ação da Segurança Pública foi apresentado com um sinal de tiro.
No dia, além do ferimento mortal em Vito, oito integrantes do grupo indígena foram levados para a delegacia de Polícia Civil em Amambai. Quatro adultos ficaram presos e quatro adolescentes apreendidos. As idades variavam de 12 a 63 anos.
Leia mais n1u6n
A Capivara Criminal conversou com uma dessas pessoas, uma estudante de Ciências Sociais da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). Assim como disse à Polícia Civil na época, ela negou envolvimento em qualquer uma das suspeitas de crime. Relatou ter ido à área do acampamento dos patrícios com o objetivo de estudo, visando à confecção do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).
“Esse trabalho era para meu TCC, este esse ano que eu vou defender”, contou à coluna a estudante do quarto ano de Ciências Sociais.
A universitária é Guarani-Kaiowá e não vive nas moradias improvisadas da área de ocupação na fazenda Borda da Mata. Mas visita o local e relata situação de privações, como é típico da realidade nessas comunidades.
“Eu volto de vez em quando, tem muita pessoa que vive na retomada agora, mas tá ando muito necessidade da questão da água”, cita.
Agora com 18 anos (na época dos fatos tinha 17), a estudante não figura como parte do inquérito na Polícia Federal.
Pelos dados descobertos na investigação jornalística, estão sendo apurados os seguintes crimes:
- Homicídio qualificado
- Violação de domicílio
- Roubo
- Dano
- Crimes do Sistema Nacional de Armas
- Resistência
Todo o trabalho investigatório é feito na delegacia de Polícia Federal de Ponta Porã, cidade próxima a Amambai, na faixa de fronteira com o Paraguai. Procurada, a corporação informou via assessoria de imprensa que está em fase de investigação e não comenta procedimentos em andamento.
A Polícia Militar declarou que também só se pronuncia sobre assunto se houver, de fato, algum policial indiciado. Se isso ocorrer, cada militar envolvido constitui advogado particular para a defesa.
A terra disputada 1q6b54
A fazenda onde tudo aconteceu se chama Borda da Mata, de área total próxima de 270 hectares. Percente à VT Brasil istração e Participação, empresa de propriedade dos mesmos donos do grupo Torlim, dedicado ao ramo frigorífico, no Brasil e no Paraguai.
À Justiça, os proprietários alegaram que nunca houve qualquer indicativo de se tratar de área prevista para formação de uma aldeia. Em processo de interdito proibitório protocolado na Justiça Federal, foi solicitada pelo juízo perícia para saber se existe, ou não, demarcação de trecho da propriedade rural para ser homologado como indígena.
“Ao que consta é possível que referida área da Fazenda Borda da Mata já esteja demarcada o que acabaria por conceder justo título a Comunidade Indígena para ocupação da área”, assinala o despacho.
Há documentos com mais de meio século indicando que a Aldeia Amambai, quando demarcada, deveria ter 3,6 mil hectares, mas os indígenas estão de posse de 2,5 mil ha.
Essa ação é referente ao pedido da VT Brasil para retirada dos índios da porção onde se instalaram, que foi negada em caráter liminar. O mérito ainda está para ser julgado. Enquanto isso, o grupo permanece no local, à espera de respostas.