Caso Danilo Cezar reabre debate: como punir com rigor a homofobia 3f3j67

Para ativistas, mais informação e punição rigorosa contra os crimes de homofobia são a solução para evitar que outros “Dans” sejam vítimas do preconceito 496g5x

O tom de desprezo de Railson de Melo Ponte, o Maranhão, de 27 anos, enquanto confessava o assassinato do pesquisador em antropologia social Danilo Cezar de Jesus Santos, de 29 anos, revela a postura típica de um homofóbico: reafirmar a própria masculinidade é até mais importante do que negar o crime. Dentre ofensas e tentativas de culpar a vítima, durante interrogatório, Maranhão se referiu à sexualidade do estudante de forma pejorativa.

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Danilo Cezar de Jesus Santos, morto aos 29 anos. (Foto: Facebook)

No entendimento de ativistas, esse tipo de comportamento é reflexo do preconceito que ainda impera na sociedade, contra populações LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais + outras identidades de gênero).

Mais informação e punição rigorosa contra os crimes de homofobia são a solução para evitar que outros “Dans” sejam vítimas do preconceito, defende quem milita a favor dessas populações.

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Desde o julgamento da ADO (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 26 no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2019, a homofobia é crime equiparado ao racismo, é transgressão imprescritível e inafiançável. Isso é efetivo para comportamentos discriminatórios, como impedir o o a um emprego, ou mesmo ser alvo de palavras preconceituosas em um restaurante, por exemplo.

Para os casos de assassinato motivados por homofobia, não há prescrição legal, assim como existe o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio.

“Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei Federal nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);”, afirma a advogada Bianca Figueira Santos.

Foi exatamente essa última opção a utilizada pela Polícia Civil de Mato Grosso do Sul para incluir a característica da homofobia no indiciamento do assassino confesso de Dan. De acordo com o delegado responsável pelo caso, José Roberto de Oliveira, da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), apesar de não faltarem elementos que indiquem que Danilo foi vítima de comportamento homofóbico, esse agravante não é registrado textualmente porque ainda não há uma lei específica nesse sentido.

A solução encontrada, no âmbito policial, foi usar a qualificadora do motivo torpe, assim como descrito pela advogada acima. Bianca é mulher transexual e referência nacional na defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+. Graças a ela, a sargento transexual da Marinha de Ladário, Alice Costa, conquistou na Justiça de Mato Grosso do Sul o direito de adotar o nome social, uniformes e penteados femininos no serviço militar.

A manutenção e a defesa da tese de que a morte de Danilo é mais um crime de homofobia vai depender do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, responsável pela apresentação da denúncia, quando o inquérito for concluído. Quando ocorrer o júri, se mantido esse entendimento, será tarefa da acusação convencer os jurados sobre esses argumentos.

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Advogada Bianca Figueira Santos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Bianca explica que, tecnicamente, homicídio por motivo torpe garante uma condenação mais gravosa, de no mínimo 12 anos de prisão. Entretanto, entende que enquadrar nominalmente o crime de homofobia teria um caráter pedagógico.

“É a simbologia disso, quando você enquadra como homofobia, a pessoa que cometeu este crime e todos que estão em volta vão saber que aquele ato foi penalizado como homofobia. Essa é a simbologia do direito penal. O direito penal é repressivo, mas também é preventivo ele tem o seu aspecto pedagógico na sociedade”, explica Bianca.

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A advogada defende que uma das principais armas contra a homofobia é a conscientização de toda a sociedade de que discriminar LGBT´s, é crime. Também é prioritário assegurar que crimes de homofobia, sejam punidos de forma exemplar, dentro dos rigores da lei.

Ainda cabe ao Congresso Nacional criar uma lei de homofobia que contemple todas as especificidades da população LGBTQIA+, da mesma forma como é a lei do feminicídio ou do próprio racismo, por exemplo. Mas ainda não há nenhum indicativo de quando isso deve ocorrer.

“Ainda não temos um dispositivo legal para a homofobia, porque o Congresso Nacional não legisla em prol da comunidade LGBT. Todas as nossas demandas, todos os nossos direitos, são conquistados através de demandas judiciais, desde o mais simples, como o casamento, a união estável, doação de sangue. Isso tudo conquistamos através do Supremo, são os princípios mais básicos de qualquer ser humano que só foram conquistados por meio judicial. Se não fosse o poder judiciário no nosso país, a população LGBT estaria perdida, não teria direitos”, desabafa a advogada.

Durante o seu depoimento, Maranhão justificou ter reagido a um suposto assédio da vítima, e fez declarações preconceituosas em relação à sexualidade de Danilo. Segundo o ativista Leonardo Bastos, esse mesmo discurso se repete em quase todos os casos de homofobia.

“Os agressores normalmente dizem que foram assediados, sempre tentam encontrar uma justificativa para culpar a vítima. Tentar provar a própria masculinidade é até mais importante do que confessar que matou. Tudo isso é sintoma da gravidade da LGBTfobia”, diz Leonardo.

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Leonardo Bastos, diretor-presidente da Casa Satine. (Foto: Arquivo Pessoal)

Diretor-presidente da Casa Satine, instituição de acolhimento à população LGBTQIA+ e uma das vozes mais atuantes da casa, em Mato Grosso do Sul, Leonardo Bastos, é enfático.

“Em primeiro lugar a sociedade precisa compreender que a LGBTfobia mata, que tira vidas. Não é brincadeira, não é piada. É preciso conscientizar a população de que o fato de uma pessoa ser LGBT, infelizmente, já o coloca em um lugar de risco”, comenta.

Conforme Leonardo, o combate à homofobia e à transfobia deve ser estimulado em todos os setores da sociedade.

“É preciso ampliar esse debate para o trabalho, nas famílias, no espaço escolar onde as questões de gênero ainda são consideradas um tabu, para que essas discussões sejam abertamente discutidas”, diz.

Uma das formas de aumentar o debate sobre o assunto, ainda conforme Leonardo, é a realização de campanhas de conscientização.

“Da mesma forma que há o mês de março ou o agosto lilás de conscientização sobre as questões da mulher, precisamos de mais ações que intensifiquem o debate sobre a homofobia, com campanhas de informação, de conscientização sobre o assunto, para a sociedade de uma forma geral”, completa.

Em memória de Danilo 1v583g

Uma rede de apoio à família de Danilo, se formou após a morte do jovem. Em nota, amigos, parentes, colegas e professores pediram respeito à memória da vítima. Cientista social de formação e bolsista do mestrado em antropologia na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Danilo era “sinônimo de gentileza, companheirismo e lealdade, com os amigos, com a família e com as suas causas”.

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Danilo era “sinônimo de gentileza, companheirismo e lealdade, com os amigos, com a família e com as suas causas”. (Foto: Facebook)

“[…] Danilo era um jovem dedicado e de trajetória exemplar, que veio da periferia e tinha o sonho de melhorar a vida de sua mãe, uma trabalhadora doméstica que se dedicou ao máximo à educação do filho. Aluno aplicado, Danilo conseguiu cursar mestrado com bolsa e pretendia seguir a carreira acadêmica com doutorado. Além disso, a vítima também era uma pessoa extremamente solidária e acolhedora, que fazia da ajuda ao próximo sua missão de vida.

Danilo tinha uma potência intelectual extraordinária. No mestrado em Antropologia Social, investigava o cotidiano de estudantes brasileiros/as de medicina na cidade de Pedro Juan Caballero (PY), na fronteira Paraguai-Brasil, além de ter sido pesquisador no grupo que formulou o dossiê para o registro de patrimônio imaterial nacional do Banho de São João em Corumbá e Ladário.

[…] Danilo sempre foi responsável com suas obrigações, dentro de casa, na universidade e nas tarefas que desempenhava. Danilo representa uma parte significativa e importante na vida daqueles que, com ele, compartilharam as experiências da vida vivida. Era sinônimo de gentileza, companheirismo e lealdade, com os amigos, com a família e com as suas causas. Ressaltamos o pedido de respeito a sua memória, responsabilidade e compromisso com os desdobramentos da opinião pública e das pessoas que estão na sociedade civil que perceberem tendências à desqualificação de uma vítima de violência.

No mais, é importante lembrar que Danilo prezava a não violência, era veementemente contra o assédio. Magro, de estrutura frágil, tinha consciência da sua vulnerabilidade. Ele costumava se manifestar ativamente contra qualquer tipo de discriminação, crime de ódio e intolerância. Conhecido na comunidade pela sua gentileza com os menos favorecidos, era amado e principalmente respeitado por todos que o conheciam.

São inúmeros os relatos de pessoas que tiveram a vida impactada positivamente pelas atitudes dele. Era carinhoso com os animais e sempre que possível encontrava forma de resgatá-los. Era cuidadoso e respeitoso com a mãe, tendo as iniciais da mesma tatuado no pulso. Tinha o sonho de transformar a vida dela através da educação, caminho que escolheu por aptidão. Era questionador, astuto e levava a ciência a sério”.

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Danilo desapareceu na manhã do último domingo (5). O corpo do rapaz foi encontrado três dias depois no cruzamento das ruas Cândido Mariano e Alan Kardec, na região da Orla Morena. O jovem foi morto com um golpe de mata-leão.

Maranhão, o suspeito do crime, é morador em situação de rua e foi preso cuidando de carros na região do Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na avenida Afonso Pena, no mesmo dia em que o corpo foi encontrado. Ele acompanhou Danilo desde a casa noturna de onde o jovem saiu, por volta das 08h40 de domingo (5). Durante as investigações, imagens de câmeras de segurança ajudaram a polícia a identificar até onde o jovem andou acompanhado do homem.

O suspeito foi preso, inicialmente, por ocultação de cadáver, mas a Polícia Civil pediu à Justiça a conversão do flagrante em prisão preventiva por homicídio por motivo torpe, com as qualificadoras de asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Ele deve ar por audiência de custódia nesta sexta-feira (10).

O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul vai oferecer à família do Danilo, a possibilidade de atuar como assistente de acusação.

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