Feliz Ano Novo… de novo 2d4m1o
Roberto recebe uma ligação estranha após o Réveillon; é alguém que propõe a ele a chance de reviver 2023 e consertar o maior erro que cometeu no período 2nz6g
Roberto acordou ainda com o gosto do espumante na boca. Já não tão gostoso quanto o ingerido oito horas antes. Uma leve dor de cabeça o lembrava do exagero do Réveillon.

Ele esticou o braço e pegou o celular. Queria ver, claro, as postagens dos amigos e rever as que fez quando cantava, já bem alto, adeus ao ano velho.
Desbloqueou o aparelho com a digital, sem perceber que havia algo diferente nele.
Achou estranho que o ícone do Instagram não estava na pasta que ele tinha organizado com outras redes sociais. Aliás, não havia pasta alguma ali.
Pensou que alguma atualização pudesse ter feito essa bagunça.
E achou o que queria. Bem, quase o que queria.
Ele estava com um camisa florida na praia. As fotos mostravam o efeito de fogos de artifício ao fundo.
Eram, sem dúvida, de uma agem de ano que vivenciou. Mas não a da noite anterior. Eram do ano anterior.
Onde, raios estavam as da entrada de 2024?
Procurou nos contatos os reels, stories e fotos dos amigos que estiveram com ele há poucas horas.
Tudo antigo.
– Não é possível! Bug no Instagram?
Foi quando a porta do quarto abriu e Roberto levou o segundo susto da manhã.
– Oi, amor. Achei que você fosse dormir mais um pouco. – o corpo da voz doce se aproximou.
O homem se encolheu e foi para o outro lado da cama. O que parecia ser mais seguro.
A mulher estranhou a reação.
– Tá tudo bem?
Não, não tá tudo bem, ele pensou. Você tá morta há sete meses! Como está tudo bem?
A mulher de carne e osso, preocupada, avançou pra cama. Roberto saltou do outro lado.
– O que tá acontecendo, Beto? Por que você está me evitando?
Ele olhou pra esposa sem saber o que responder. O celular tocou. Era só o alarme. Um toque para que ele desse o segundo o.
Olhou para o visor. 01/01/2023 era a data que mostrava.
E, enfim, reparou que o aparelho que segurava agora não era o que possuía atualmente. Era um outro, que já tinha ado por suas mãos anteriormente. Era o mesmo que ele pegara no console do carro naquele dia fatídico. O dia em que ela morreu. O dia em que ele, vencido pela curiosidade, tirou os olhos da estrada para ler a mensagem que acabara de apitar no celular. Foram só alguns segundos entre olhar para a esposa dormindo no banco ao lado, pegar o aparelho e deslizar, sem perceber, o volante para a direita. As duas rodas tocaram o degrau no asfalto. Maya acordou com o susto. E viu a traseira do caminhão se aproximar.

Roberto tinha tentado voltar para a pista. Mas não havia espaço para o movimento completo. O lado em que a mulher estava bateu com tudo na quina da carroceria do veículo parado no acostamento. Um impacto desesperador. A cabeça dela caída para a frente era um mal sinal. O sangue jorrando pela boca, nariz e ouvidos dela, outro. A respiração lenta, pesada e ofegante, só confirmava o que ele não podia acreditar. Ele iria perdê-la. Perderia, também, o filho que crescia no ventre agonizante da esposa.
Roberto voltou ao presente e jogou o aparelho na cama. Colocou as duas mãos na cabeça. Balançou-as em negação por várias vezes. A dor só aumentando.
De olhos fechados, ele sentiu os braços mais gostosos do mundo ao redor de seus movimentos bruscos.
– Calma, amor. Você deve ter tido um pesadelo. – era Maya, não mais a morta, mas viva, o reconfortando.
– Maya… você… tá.., viva?
Ela o empurrou delicadamente.
– Ei, não bebi nada ontem. Esqueceu que agora não posso mais. – e acariciou a barriga levemente roliça.
Roberto olhou para o movimento da esposa. A mão branca com esmaltes azuis claros estava entre as partes de baixo e de cima de um biquini.
– Estamos na praia? – ele pensou. – É 2023 ainda? Maya tá viva? Não é possível. Eu… meu Deus o que está acontecendo?
O telefone tocou.
Maya deixou o quarto dizendo que o esperava para o café.
– Alô!
– Roberto, venho te acompanhando no último ano. Cada suspiro seu, cada lamento, eu estive do seu lado.
– Cê tá louco? Quem é você?
– Sou aquele que pode te devolver tudo o que você perdeu.
– O que?
– Maya, teu filho.
Roberto tirou o aparelho do rosto, tapou o bocal com a mão e caminhou até a cozinha. Maya estava fazendo ovos mexidos enquanto cantarolava.
Ele voltou para o quarto.
– Minha mulher está em casa seu desgraçado. Vai ar trote em outro! – e desligou.
Escovou os dentes, lavou o rosto ainda sem entender nada. Absolutamente nada. E foi até a esposa.

Ao colocar o pé fora do banheiro, já estava em outro lugar. Agora, sim, seu lar, amargo lar. O apartamento pequeno que alugou depois que a companheira morreu. Ele não ara conviver com o vazio da casa que escolheram juntos, que ela decorara com tanta alegria. A fortaleza, onde compartilharam tudo, virara uma prisão toda cheirando a ela. Teve de trocá-la.
O choque de realidade o fez supor que já não mais a encontraria na cozinha.
E constatou o óbvio.
Respirou fundo. Encostou-se na parede e lamentou. Foi a droga de um sonho. Apenas isso. Como ele realmente queria tê-la de volta. Isso aliviaria sua culpa pelo acidente. Confortaria seu coração ainda apaixonado por Maya.
– Eu não devia ter ido naquela maldita festa ontem. – ele culpava sua consciência pelo delírio matutino. – Minha mulher e meu filho morreram por minha culpa eu tive a coragem de festejar um novo ano…
Influência dos amigos. Da família. Bola pra frente. A perda foi dura, mas era preciso seguir a vida. De que adiantaria se matar?
E como pensou nisso! Como a bala na cabeça seria capaz de aliviar a dor tão profunda…
Mas ele não teve a coragem necessária pra isso. Nunca teve. Mas poderia ganhá-la. Talvez fosse essa a intenção desse maldito sonho. Como acontecia regularmente, a tentação de pegar a arma no maleiro do guarda-roupa voltou.
E foi interrompida.
Por mais um toque do celular. O novo, não aquele da época do acidente.
Ele olhou e era novamente um número desconhecido.
Roberto desligou…
E com os dedos cheios de raiva foi até a pasta das redes sociais. Abriu o Instagram só pra se certificar. E se reconheceu todo de branco brindando com pessoas queridas na casa de um deles.
Respirou de novo.
Foi mesmo um sonho.
Olhou o porta-retratos com a foto de Maya. Sorriu sem alegria.
E novamente o toque soou no apartamento vazio.
– O que você quer?
– Feche os olhos.
– Quem é você?
– Sou aquele que pode devolver tudo o que você perdeu. Feche os olhos e escute.
Roberto o fez, mais para lamentar que o pesadelo voltava que para obedecer ao estranho.
E ele ouviu. A voz dela, cantarolando enquanto o ovo estalava na frigideira.
– Maya…
– Eu posso trazê-la de volta, Roberto.
– Como? Você é Deus?
– Sou aquele que pode devolver tudo o que você perdeu.
– Você, então… é o diabo?
– Já disse. Sou aquele que pode devolver tudo o que você perdeu. E é o que te interessa agora. Basta que você diga que quer. E você vai voltar ao dia 1° de janeiro de 2023. Maya viva. Teu filho vivo.
– E o que você ganha com isso?
– Você.
– Como assim, eu?
– Você tem a chance de fazer diferente. Novos anos não são pra isso? Todas aquelas resoluções. Ah! Vou emagrecer. Vou gastar menos dinheiro. Vou cuidar mais da minha família. VOU GASTAR MENOS TEMPO NO CE-LU-LAR. Promessas, promessas… que são tão fortes no final de um ano quanto esquecíveis no início do outro. E você? Promete fazer tudo diferente mesmo pra ter de volta as vidas que você ajudou a acabar?
Roberto viu tudo girar. Era como se estivesse caindo em um abismo sem fundo. As vozes se misturavam em seu cérebro confuso. O timbre das notas musicais da esposa, as gargalhadas da festa do dia anterior, a proposta maluca que tinha acabado de receber.
Apesar da velocidade das lembranças se engalfinhado para ganhar atenção em sua mente, o processamento era lento demais.
Ele tinha condições de ter Maya de novo. De conhecer o filho.
Lágrimas romperam de seus olhos.
E como se conseguisse ler os pensamentos de Roberto, a voz falou:
– E você vai conseguir não decepcionar sua mulher de novo? Ela já sofreu muito. Você é capaz de não repetir o erro, de não cometer qualquer tipo de erro com ela?
– Claro que sim!
– Pois essa é minha condição. Eu te dou Maya e teu filho vindouro de volta. Todo o resto que aconteceu em tua vida no ano ado será perdido. Você retornará ao primeiro dia de 2023, após o Réveillon na praia. Mas se você voltar a decepcioná-la, vocês três serão meus pra sempre.
O alívio sumiu do rosto dele.
– O que… você quer dizer com isso? Ser teu pra sempre?
– Eu também sofro perdas. Há muitas decisões que o ser humano toma que não concordo. Então, gosto de equilibrar essa disputa. Mas obedeço ao livre-arbítrio. Vamos fazer negócio?
Roberto olhou a mulher. Ela, agora, sorria e dançava com os pratos na mão no caminho até a mesa.
Piscou para ele. E soletrou um “Eu te amo”.
O coração do homem disparou. Uma crise de choro veio.
Ele se lembrou de todas as promessas de fim de ano que nunca concretizou. A do celular, mesmo, era uma que tinha feito pra ela na agem de ano, depois que ela fez o pedido mordiscando sua orelha.
A lembrança dilacerando seu peito com a verdade.
Ele era mais um dos fracos. Mais um dos que se empolgam e se enganam com promessas jogadas ao vento.
E agora, a consequência de não ser consistente com seus desejos, não seria só dele.
A alma dela estava em jogo. A do filho que nem conheceu, também. As almas que ela ajudou a mandar para um descanso antecipado. Os corpos enterrados juntos numa caixa fria de madeira pareciam estar, de novo, ali, no chão do apartamento.
Era o diabo. Certeza que era ele. Deus nunca me atendeu. A dor nunca parou. E ele, enfim, veio pra não só me levar pro inferno, mas também Maya e meu filho.
– Não! – ele gritou ao telefone, evitando olhar para a mulher sentada na mesa à sua espera. – Não faremos negócio. ar bem, seu desgraçado, e feliz 2024!
Jogou o fone no chão com força suficiente para que o aparelho se espatifasse.
O quarto do hotel virou, na mesma hora, o corredor do apartamento. Roberto sentou-se ao lado dos cacos e chorou. Havia a mesma tristeza do dia do enterro, mas, também, um alívio. Ele não erraria de novo com eles.
Foi até o guarda-roupas, pegou a arma e jogou as balas no vaso sanitário. Viu-as escorregar pro esgoto com a água da descarga. Com um martelo, amassou o que conseguiu da pistola.
Do outro lado da linha telefônica, ainda havia um sorriso.
E um comentário da criatura celestial que estava ao lado do emissor da mensagem.
– Bem que falam que o Senhor escreve certo por linhas tortas, hein?!
Deus apenas assentiu com a cabeça e fez o celular em sua mão desaparecer. Mais uma de Suas resoluções de Ano Novo foram concretizadas.
Roberto, enfim, estava em paz.