Nos 20 anos da Arca de Noé, denúncia contra Arcanjo é ressuscitada 1w1k11
João Arcanjo Ribeiro, goiano radicado em terras mato-grossenses desde os anos 1970, quando tudo era um estado só, é um senhor de 71 anos em liberdade vigiada no momento. O “Comendador Arcanjo”, forma de tratamento que mais o identifica, alcançou o benefício de cumprir suas penas em regime aberto, depois de 16 anos de xadrez, […] 3x4o3v
João Arcanjo Ribeiro, goiano radicado em terras mato-grossenses desde os anos 1970, quando tudo era um estado só, é um senhor de 71 anos em liberdade vigiada no momento. O “Comendador Arcanjo”, forma de tratamento que mais o identifica, alcançou o benefício de cumprir suas penas em regime aberto, depois de 16 anos de xadrez, cumpridos em Campo Grande (MS), Porto Velho (RN) e Cuiabá (MT), onde vive.
Poderoso por muito tempo, atuou como policial civil em Campo Grande e, quando mudou-se para o Mato Grosso, pulou de lado, ando a ser categorizado como chefe do crime organizado durante décadas. Segundo está descrito em suas condenações, mandava matar opositores, entre eles o dono de um jornal, para sustentar negócios ilegais, do jogo do bicho e jogatina eletrônica a esquemas envolvendo agiotagem e desvio de dinheiro público.

O “Comendador”, título recebido das mãos de autoridades legislativas na década de 1990, ainda tem longos anos de dívidas a quitar com a Justiça, mesmo não estando atrás das grades. Ele cumpre quatro guias de execução penal – leia condenações – no regime mais brando, obtido há dois anos. E existem grandes possibilidades de contrair novos débitos, ou seja, mais punições e um eventual retorno às celas.
A Capivara Criminal deste domingo resgata um dos maiores escândalos da carreira de ilegalidades atribuídas a João Arcanjo, produto de sua estreita ligação com políticos enquanto foi um dos barões do crime. No começo do mês ado, o MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso) apresentou à 7ª Vara Criminal de Cuiabá as alegações finais de processo no qual pede a punição do réu por peculato, lavagem de capitais e formação de quadrilha.
O objeto da negociata criminosa, como descreve a acusação, era o dinheiro público, do cidadão, investido na Assembleia Legislativa.
O esquemão com políticos 4v5hk
A quadrilha alvo da persecução penal em questão era formada por políticos com mandato na Assembleia Legislativa mato-grossense, esses já condenados à prisão e à devolução de dinheiro do contribuinte, num montante de R$ 12 milhões. Pelo acordo fraudulento, eles se beneficiavam com grana para pagar contas particulares e de campanha, atestaram as denúncias.
Foram identificadas transações em cheque, para uma empresa fantasma, a T Almeida. O nome de Arcanjo apareceu no rolo porque era justamente na factoring de propriedade dele o lugar onde os cheques eram trocados. Os valores foram depositados na conta da empresa do então “Comendador”, a Confiança Factoring.
Os fatos narrados foram investigados na operação Arca de Noé, que está de aniversário daqui uns dias, pois chega aos 20 anos nesta segunda-feira, dia 5 de dezembro de 2022. A ação permanece como um dos maiores golpes na bandidagem já colocado em prática no Mato Grosso.
Quando a Arca de Noé foi às ruas, com mais de cem policiais e pelo menos duas dezenas de promotores, Arcanjo tinha penetração nos meios de segurança a ponto de escapar antes de ser alcançado pelas autoridades em sua casa naquela manhã de dezembro. Soube antes, tudo indicava.
Acabou detido só em 2003, no Uruguai. Extraditado para o Brasil apenas em 2006, ou a responder pelas inúmeras imputações.
Vindo do solo uruguaio, primeiro ficou em Cuiabá. Em 2007, foi transferido para Campo Grande, onde foi hóspede do presídio federal de segurança máxima, até 2011. Ficou também na prisão do sistema mantido pelo governo federal em Porto Velho (Rondônia), voltando para a capital mato-grossense em 2017. Em 2018 foi para o semiaberto e atualmente está em regime aberto, com autorização para sair da cidade desde que comunique ao Judiciário antes.
Chegou a ar mais uma temporada na prisão em 2019, ao ser novamente indicado como o comandante do jogo do bicho na região. Conseguiu a liberdade após quatro meses. Os autos dessa operação, denominada “Mantus”, estão em tramitação.
Demorado 4s394v
Quanto ao processo relativo à fraude descoberta na Assembleia Legislativa, o episódio de fuga, e a consequente devolução do bicheiro para o Brasil, figura como fator preponderante para a ação penal demorar tanto a evoluir.
A denúncia do MP-MT foi apresentada em 2007 e recebida em 2010. O feito ficou suspenso por mais de seis anos porque a defesa de Arcanjo conseguiu decisão judicial favorável, em 2013, quando questionou a amplitude da ordem de extradição do Uruguai. O argumento acatado é de que não valeria para os delitos ocorridos antes da prisão em terras estrangeiras.
Esse entendimento caiu apenas em 2018.
O andamento não seguiu o curso rotineiro, ainda. Havia uma provocação da defesa do acusado quanto à prescrição de crimes, em razão do tempo transcorrido desde a largada das apurações.
Crimes prescritos 152146
Ouvidas as partes, foi, digamos, 80% de vitória para a defesa, e os 20% restantes para a acusação.
Explica-se a conta: foram descobertos 32 cheques, emitidos pela ALMT entre maio de 2000 e dezembro de 2002, todos à empresa inexistente, no fim das contas destinado à conta bancária da Confiança Factoring. O valor total atingia mais de R$1,3 milhão. Atualizado para valores de 2022, seria uma quantia superior a R$ 7 milhões, considerando apenas a reposição inflacionária.
Na alegação final, a última palavra do promotor pedindo a condenação do réu, apenas seis cheques serão considerados, aqueles emitidos após 16 de outubro de 2002. Para os outros documentos, houve prescrição.
Em linguagem para todo mundo entender: o estado perdeu seu prazo para culpabilizar o infrator em relação à maior parte das provas de fraude com recursos públicos.
Agora, falta os advogados de Arcanjo apresentarem sua manifestação final e depois, o juiz vai decidir se condena, ou não, o acusado.
“Este Parquet entende que, nos presentes autos, há um conjunto probatório de elementos que comprovam autoria e materialidade no caso em tela, estando sobejamente demonstrada a procedência da acusação formulada pelo Ministério Público Estadual para que a ação penal seja julgada procedente, com o fim de condenar o réu JOÃO ARCANJO RIBEIRO, pela prática do delito capitulado no art. 312, caput, Código Penal Brasileiro, em concurso formal impróprio (parte final do artigo 71, do Código Penal Brasileiro) com o artigo 1°, V §1°, II e 4° da Lei Federal n° 9.613/98”, escreve o promotor responsável, Anderson Yoshinari Ferreira da Cruz, do Núcleo de Defesa da istração Pública e Ordem Tributária.
Em resposta ao pedido de informação da Capivara Criminal, o advogado de João Arcanjo Ribeiro, Paulo Fabriny, fez uma declaração sucinta, alegando inocência do cliente.
“O Arcanjo não exercia qualquer função na factoring. Era apenas o proprietário e nada mais. Não autorizava a troca de qualquer cheque. Todo o dia dia da empresa era conduzido pelo gerente”, disse à coluna.
Nilson Roberto Teixeira, o ex-gerente da Confiança, foi condenado a 11 anos de pena por peculato e lavagem de dinheiro. A punição foi confirmada em maio deste ano, em primeiro grau, o que quer dizer que não transitou em julgado.

Os políticos citados como pessoas ligadas a João Arcanjo Ribeiro, e que já foram consideradas culpadas pela Justiça são o ex-presidente da ALMT, José Riva, e o ex-deputado estadual Humberto Bosaipo.
Riva, dono de uma extensa ficha de processos judiciais por esquemas durante o exercício da função pública, pegou 11 anos de prisão.
Para Humberto Bosaipo, que foi presidente e primeiro-secretário do legislativo estadual, a sentença foi de 28 anos de detenção.
A Justiça determinou a devolução, pelos condenados, de R$ 12 milhões ao erário. Essa sentença é do ano ado e ainda não transitou em julgado, podendo haver mudanças, em razão de recursos permitidos pela lei.
Pistolagem e a espera sem fim de uma família w1ni
As dívidas de Arcanjo com a Justiça, portanto com a sociedade, vão muito além de episódios de tráfico de influência e branqueamento de dinheiro sujo vindo do jogo ilegal, da agiotagem e outras vertentes. Brota sangue do meio dessa atuação voltada ao ajuntamento de riqueza de origem escusa, conforme as investigações feitas ao longo do tempo. O nome dele surgiu como suspeito de envolvimento em pelo menos oito homicídios.
O trabalho investigatório desenvolvido para neutralizar o grupo chefiado por Arcanjo enfrentou um entorno de violência extrema.
Na semana ada, por exemplo, um homem apontado com ex-pistoleiro do “Comendador” foi condenado a 55 anos de prisão por participação na “Chacina da Fazenda São João”, ocorrida em 2004. Três homens foram mortos na propriedade em nome de João Arcanjo Ribeiro, avaliada em R$ 22 milhões. As vítimas entraram na área para pescar e foram submetidas a tortura antes de serem assassinadas.
Ao manifestar-se sobre o assunto, o proprietário rechaçou a “vilania” de tentar associá-lo às mortes. Quando elas aconteceram, alegou, estava preso e incomunicável no Uruguai.
Arcanjo foi condenado em 2015, a 44 anos de reclusão, por contratar assassinos de aluguel para dar fim à vida de Rivelino Jaques Bruninni, como parte de disputa pelo controle da jogatina, no ano de 2002. Na emboscada, também foi atingido Fauze Rachid Jaudy, de 39 anos, que morreu horas depois no hospital. Uma terceira vítima sobreviveu a ferimentos a tiro.
Em 2019, o júri foi anulado. A promotoria recorreu ao TJM T(Tribunal de Justiça de Mato Grosso), que manteve a sentença. A defesa apelou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), sofrendo nova derrota. O STF (Supremo Tribunal Federal) foi acionado, e lá não houve decisão final ainda.
Durante o júri, o réu como mandante foi taxativo: “Eu não sou santo, mas esse crime eu não cometi”.
Na calçada, a marca da violência de uma máfia 4c1id
O duplo homicídio aconteceu em 5 de junho, poucos meses antes de uma execução emblemática em Cuiabá. O dono do jornal Folha do Estado, Domingos Sávio Brandão Lima de Lima Junior foi alvejado na frente do terreno onde seria construída nova sede do periódico, no meio da tarde de 30 de setembro de 2002. Foram disparados dez tiros de 9mm, sete deles atingiram mortalmente o empresário e jornalista.
Ele tinha 41 anos e estava prestes a ser pai. A Polícia Civil identificou em João Arcanjo Ribeiro o mentor da execução. O motivo? A cobertura do jornal de Sávio Brandão em relação ao crime organizado.
No ano de 2013, o “Comendador” foi condenado a 19 anos de reclusão. Outras quatro pessoas também foram sentenciadas como participantes.
Fez-se a justiça pelo artigo 121, o de homicídio, e segue inconclusa uma outra batalha da viúva de Sávio e do filho que estava sendo gestado.

Embora a Justiça tenha determinado o pagamento de pensão à viúva e ao jovem órfão, além de indenização de R$ 300 mil por ter perdido o pai para a violência por encomenda, nenhum valor foi pago até agora.
“Até o momento o judiciário estadual reconheceu que as pretensões dos meus clientes são justas e nestas condições nos deu ganho de causa, na primeira instância. Todavia em razão de decisões da Justiça Federal o patrimônio do Sr João Arcanjo foi perdido em favor da União”, declarou o advogado Daniel Paulo Maia Teixeira.
“Acreditamos todavia que o Sr Joao Arcanjo ainda tem bens que poderão ser alcançados, mesmo porque, ao que se tem notícia mantém padrão de vida que deve ser sustentado por bens ou algum tipo de atividade econômica”, completa.
No local onde Sávio foi vitimado, quem a pela calçada, caminha por cima de uma memória. Cravada no asfalto, uma estrela lembra que ali, vinte anos atrás, um atentado contra a liberdade de imprensa deixou uma família ferida de morte e evidenciou a gravidade dos males patrocinados por máfias.
Minicurrículo e ligações 3a3x1k
João Arcanjo Ribeiro nasceu em 1951, na cidade de Jeroaquara, estado de Goiás. Em despacho do STF, é traduzido como homem de origem humilde, que migrou para o Mato Grosso na década de 1970. Em Campo Grande, antes de a cidade virar capital do Mato Grosso do Sul, foi policial civil. Esteve nas forças de segurança pública por 10 anos. Agia também como segurança particular.
Na década de 1980, de acordo com o mesmo registro, mudou-se para Cuiabá, e a partir de um acordo com exploradores do bicho, que viviam na porção sul do estado unificado, com atuação no norte, ou a cuidar da atividade ilegal, com a banca “Colibri”.
Segundo declaração do próprio em depoimento judicial, começou o jogo do bicho em Mato Grosso com um parceiro vindo do Paraná, e depois seguiu sozinho.
No Mato Grosso do Sul, homens conectados historicamente a estrutura criminosa semelhante à de Arcanjo “caíram” na operação Omertà, de combate a escritórios do crime baseadas na jogatina, deflagrada em 2019 pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) e por força-tarefa da Polícia Civil. São eles Jamil Name – dono da banca “Gato Preto”, que se instalou nas calçadas de Campo Grande durante décadas, com cabines de jogo só retiradas depois da operação – e Fahd Jamil, octagenário que já foi o “Rei da Fronteira”, e chegou a ser condenado por tráfico de drogas, decisões que foram anuladas.
Jamil Name morreu na cadeia, em 2020, aos 82 nos, vítima da covid-19, antes dos processos da Omertà terem definição. Fahd Jamil, de 82 anos, ficou foragido por um ano e meio, apresentou-se em 2021, ficou em prisão domiciliar em razão das condições de saúde, e está aguardando em liberdade o julgamento por chefiar organização criminosa à qual são debitados crimes de lavagem de dinheiro a execuções.
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