Gaeco prende, Justiça solta; e nem é meme 6c4b32
“Betinho”, apontado como um dos cabeças no plano de facção do RJ de se expandir em Mato Grosso do Sul, não ficou nem dois dias preso 5r6p2q
Pela porta da frente, sem qualquer restrição, livre para ir onde quiser. Assim ganhou as ruas, menos de 48 horas depois de ser preso, criminoso rotulado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) como um dos cabeças em Mato Grosso do Sul de facção originada no estado do Rio de Janeiro, cujos planos eram expandir a atuação na região e disputar o lucro do crime com a maior máfia do país, aquela nascida nas cadeias de São Paulo. Ele é Roberto Ricardo de Freitas Junior, o “Betinho”, ou “Presidente”, 50 anos, um dos alvos da operação Bloodworm, desencadeada no dia 5 de maio de 2023 para frear a ofensiva da quadrilha dentro e fora das cadeias e evitar uma guerra com potencial sangrento.
“Betinho” não ficou dois dias completos na cadeia. Em 7 de maio, recebeu alvará de soltura, beneficiado por episódio traduzido como “erro lamentável” da Justiça fluminense, em documento oficial ao qual a Capivara Criminal teve o.

Agora, com o leite derramado, o único jeito é tentar capturá-lo. Até o fechamento desta edição da Capivara Criminal, não havia notícias de sua localização.
Entenda o “lamentável erro” 3j4l6r
Roberto Ricardo de Freitas Junior foi preso no bairro de Copacabana, onde tem endereço há muito tempo, no ato de cumprimento a mandado expedido pela 6ª Vara Criminal de Campo Grande no contexto da Bloodworm. Na hora da diligência, foi encontrado em seu poder armamento irregular, ensejando também um flagrante.
Atendendo à praxe, foi levado para a audiência de custódia, providência legal de verificação do cumprimento dos direitos das pessoas em poder do estado em razão de determinação de encarceramento. O juiz responsável decidiu conceder a “Betinho” a oportunidade de responder em liberdade quanto ao flagrante, como permite a legislação.
Antes da soltura, manda a regra, deveria ter sidor conferido se havia algum impedimento, como ordem de restrição de liberdade pendente, por exemplo. De forma ainda inexplicada, essa checagem ou não foi feita, ou foi negligente. Fato é que “Betinho” foi devolvido à liberdade.
Só se percebeu o equívoco no dia 8 de maio, conforme a investigação jornalística da Capivara Criminal. Nessa data, o preso teria de ser apresentado para o juiz responsável pela audiência de custódia do mandado de prisão preventiva.
Dono da operação, o Gaeco foi procurado, mas não se manifesta a respeito, adotando o silêncio habitual do braço mais combativo à criminalidade estruturada dentro do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
Nem precisa. É evidente o estrago no trabalho de quinze meses para juntar evidências da participação de “Presidente” nos planos de cooptar integrantes para a facção criminosa, com a missão clandestina de faturar em cima de atos violentos.
Foram 92 ordens para prender investigados, entre eles detentos, faccionados fora da cadeia, quatro advogados e um estagiário de Direito, além de um policial penal suspeito de cobrar R$ 16 mil para fazer chegar telefones móveis aos internos da prisão da Gameleira 2, em Campo Grande, antes tida como à prova da entrada de celular.

Esse não é um faccionado como qualquer outro na hierarquia do grupo. A ele chegou a ser atribuído o status de “01” no “conselho dos 13”, a cúpula da facção em Mato Grosso do Sul, de acordo com os levantamentos feitos pelo Gaeco.
Conversas interceptadas entre o agora fugitivo e outros investigados pela operação dão conta das tratativas para cometer ilícitos com uso de armas pesadas.
“Oi, meu querido, você sabe brincar com esses brinquedinhos aí de fazer dinheiro”, disse Robertinho em conversa com interlocutores do mesmo bando interceptada com autorização judicial durante a fase de levantamentos da operação.

Ao pedir a prisão do homem, o Gaeco argumentou que a conversa faz alusão a “fuzis e outras armas de alto calibre”. “Além disso, exibiram vídeos demonstrando artefatos de grande capacidade explosiva e, em outros diálogos”, prossegue a petição. As imagens do arsenal foram anexadas à peça.
Em outro trecho captado a palavra frete é usada para equivaler à obtenção de armas e drogas vindas de Ponta Porã, na região fronteiriça com o Paraguai, segundo o entendimento do grupo de promotores a cargo da tarefa.
Um papel com a configuração do “conselho dos 13” – apreendido durante as diligências preparatórias à fase de campo da operação – identificou Betinho como a liderança máxima da facção em terras sul-mato-grossenses. Mais tarde, outro nome surgiu nessa função, o de Luis Élio Gonçalves Filho, o “Cabeça de Porco” ou “Gedeão”, douradense de 35 anos.
Luis Élio, acredita o Gaeco, assumiu o posto de chefe da cúpula da máfia no estado quando migrou do sistema prisional federal, onde ficou quatro anos, para o sistema estadual. A transferência para a penitenciária federal de segurança máxima de Campo Grande ocorreu em 2021, depois da descoberta de um paiol em presídio de Dourados, com duas pistolas e até uma granada. Esse material bélico seria usado para guerra contra os inimigos da facção rival, indicaram as apurações.
“Betinho”, ao mesmo tempo da idade de Luis Élio para a penitenciária Gameleira 2, conseguiu ser transferido para seu estado de origem, onde cumpria pena em regime aberto desde janeiro de 2023. Lá, de acordo com o que as pesquisas levadas à Justiça, assumiu postura até mais efetiva no apoio à ampliação das ações do grupo criminoso.
Diálogos entre Roberto Ricardo e “Cabeça de Porco” revelam uma negociata para conseguir documentos falsos em terras cariocas para o sul-mato-grossense. Houve até uma tentativa de Luis Élio de pechinchar o valor, estipulado em R$ 3,5 mil, para uma identidade como se fosse nascido no RJ e uma CNH.
“No transcorrer dos diálogos ROBERTO RICARDO mesmo já estando em sua cidade natal Rio de Janeiro/RJ, mantém contato constante com LUIS ELIO”, descreve o pedido de medidas cautelas contra os investigados.
“Se extrai das conversas diversas tratativas, dentre elas a confecção de documentação falsa para LUIS ELIO, bem como, gerenciamento pessoal, bélico e financeiro da organização criminosa”, prossegue o texto.

Três décadas no crime 1q5j29
“Betinho” é nascido no Rio de Janeiro e tem agens policiais desde 1990. Em Mato Grosso do Sul foi flagrado, no mês de junho de 2015, com um veículo roubado lotado de mais de 200 quilos de maconha, além de 6 quilos de haxixe e dois frascos de lança-perfume.
O flagrante foi na BR-163, na área rural de Campo Grande, em meio a barreira da Polícia Rodoviária Federal. Roberto Ricardo e outro homem ainda tentaram fugir para mato. O outro conseguiu. Ele foi alcançado um quilômetro depois.
Negou ser dono da droga. Disse ter pego uma carona apenas e deu respostas evasivas sobre sua presença em Ponta Porã. Afirmou ter ficado 10 dias na cidade fronteiriça para comprar muamba, mas voltou sem nada.
Nesse dia, foi perguntado pelas autoridades policiais se integrava algum tipo de facção criminosa, e negou.
Na fase processual, foi condenado a 16 anos de reclusão por tráfico de drogas e receptação. Na sentença, recebeu a definição de alguém com vocação para viver de ilícitos.
“A sua culpabilidade restou demonstrada; os antecedentes são péssimos, posto que sua vida pregressa registra incursões policiais, processos criminais, sentenças criminais e execuções penais; sua conduta social é das mais reprováveis, uma vez que faz do crime o seu meio de vida, como uma profissão (o acusado não provou a existência de trabalho lícito), fato este que demonstra ter personalidade propensa a pratica criminosa, posto que a conduta evidencia a insensibilidade moral e desprezo pela vítima do furto, e, a insensibilidade ao sofrimento físico, moral e patrimonial a que a submete, em decorrência do extremo potencial lesivo da conduta”, diz a sentença.
Pela ficha anexa ao processo, o homem que foi solto no Rio de Janeiro quando teria de ter sido levado a uma penitenciária para cumprir prisão preventiva já foi condenado por roubo, tráfico, receptação e porte ilegal de arma. Suas condenações, ao todo, aram de 30 anos de pena.
Agora, ou a responder em Mato Grosso do Sul por promoção, constituição, financiamento ou integração de organização criminosa.
A denúncia foi apresentada no dia 18 de maio de 2023, como parte de oito ações judiciais nas quais a operação Bloodworm foi convertida. O próximo o é o magistrado responsável decidir se recebe a acusação e dá início à ação penal.
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“Preso durante a deflagração da Operação Bloodworm, contudo, foi posto em liberdade por erro do serventuário”, anota o Gaeco na petição, citando o sumiço do acusado, referido na denúncia como alguém em lugar incerto e não sabido.
A Capivara Criminal solicitou posicionamento sobre a soltura de “Betinho” ao TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) e a única informação dada é de que se trata de caso em segredo de justiça. “Somente as partes envolvidas têm o às decisões”, diz a resposta por e-mail.
O que foi descoberto pela coluna é que a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal do Rio de Janeiro foi provocada para investigar o culpado pelo erro.
Advogada de Roberto Ricardo na execução penal, Camila Mora da Rosa Lyvio, está presa no Rio de Janeiro, igualmente em decorrência da operação Bloodworm. Campo-grandense, ela é acusada de fazer parte do núcleo dos “gravatas”, profissionais do Direito cooptados pela facção criminosa para agir além das previsões legais usando suas prerrogativas.