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Crime no Inferninho: golpe, assassinato, suicídio, estupro 2n3j5

Três respondem pela morte de Gleison, jogado num precipício de Campo Grande em maio de 2020 1p3f2f

No dia 3 de fevereiro de 2023, perto das sete da noite, a visita de um servidor público trouxe a esperança de justiça para uma família campo-grandense que vive luto duplo. Além da perda de Gleison, aos 25 anos – assassinado em meio a trama motivada por pura ganância – mãe, irmãos e amigos aguardam há quase três anos respostas quanto à responsabilização dos culpados.

O acusado de planejar e executar o crime, ao ser confrontado pela polícia, em maio de 2021, culpou uma pessoa morta, como você vai ver nesse texto. Leandro Pereira Florenciano, 37 anos, disse que tudo aconteceu por ciúmes do homem com quem viveu por dez anos, afirmando estar se relacionando com a vítima. Mentia, de acordo com as circunstâncias do homicídio levantadas pela Polícia Civil.

Confira trecho do depoimento, ao qual a Capivara Criminal teve o:

“Eu não vejo a hora de acontecer o julgamento”, declara à Capivara Criminal uma irmã de Gleison, em tom de revolta.

“Meu irmão não era ladrão, não era bandido, não era assaltante, ele caiu em um golpe, pelo deslumbre de um jovem que quer vencer na vida”, continua.

Na fala, ela se queixa da demora do Poder Público, e deseja a eles, os culpados, que “apodreçam” na cadeia. A irmã, cujo nome será preservado, foi procurada pela coluna em razão da notificação, entregue no princípio do mês à família, dando conta do início do processo contra os réus. Essa praxe de comunicar os parentes é decorrente de pedido de indenização aos familiares, a ser definida na sentença dos autos..

Você vai entender a reação da família ao ser relembrado o episódio criminoso tema desta edição da Capivara Criminal. Ao longo do texto, compreenderá o quanto foi uma investigação complexa, cujo resultado está em ação penal contra três réus. E conhecerá a espiral de ilícitos correlatos desnudada.

Quem são os réus pelo assassinato? 393225

  • Leandro Pereira Florenciano, 37 anos, denunciado como mentor e autor do homicídio, para esconder crimes de estelionato contra a vítima, e não pagar valores altos prometidos.
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  • Agnaldo Freire de Mariz, 50 anos, acusado de auxiliar Leandro a se livrar de provas do homicídio.
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  • Leonardo Kammer da Silva, o “Leo do Pastel”, 32 anos, acusado de ajudar Leandro a se livrar da motocicleta da vítima.
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Leonardo Kammer da Silva, no depoimento à DEH. (Foto: Reprodução de processo)


Os três foram indiciados pelo chefe da Homicídios, delegado Carlos Delano, denunciados pelo promotor do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), Douglas Oldegardo dos Santos, e transformados em réu pelo juiz Aluizio Pereira dos Santos, titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri.

Está correndo, nesse momento, o tempo para notificar os réus para apresentar a defesa prévia, no prazo de dez dias a partir do recebimento da comunicação.

Leandro responde por homicídio duplamente qualificado, por traição e para ocultar outro crime. Os outros dois réus foram denunciados pelo artigo 348 do Código Penal, sobre punição para quem acoberta atos criminosos.

Depois da defesa prévia, o encaminhamento é ouvir as testemunhas de acusação e defesa, interrogar os réus e convocar a apresentação das alegações finais, de todas as partes. Na fase seguinte, o juiz decide se os acusados vão sentar no banco dos réus, para o júri popular, formado por sete pessoas da sociedade, decida se são culpados. Por fim, é o magistrado quem aplica a punição, considerando as previsões legais.

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Imagem que consta em laudo pericial mostra posição do corpo entre as pedras da cachoeira. (Foto: reprodução de processo)

Um corpo no Inferninho 723467

Gleison da Silva Abreu apareceu morto em de maio de 2020, no meio das pedras da Cachoeira do Inferninho, ponto turístico de Campo Grande.

As investigações indicaram ter sido o desfecho trágico de um golpe envolvendo ganhos irreais de dinheiro, com o sonho de morar na Itália, em setembro daquele ano.

Conforme os resultados da perícia, descartou-se a possibilidade de a vítima ter se atirado no abismo ou de acidente, pela forma como o corpo foi encontrado. Os ferimentos sugeriam o impulsionamento de quem caiu, e não um mergulho voluntário daquela altura, cerca de 30 metros.

Em torno da perseguição policial aos assassinos, desvendou-se verdadeira novela policial. No roteiro da vida real, sem o romantismo da ficção, tem assassinato por grana, depois de muita enganação, suicídio e a descoberta de crimes sexuais contra crianças.

No dia do sumiço de Gleison, churrascos foram feitos, simultaneamente, na casa de dois dos envolvidos, Leandro e Agnaldo. Parentes dos réus sabiam que algo errado estava acontecendo, mas ninguém denunciou, demonstra o trabalho policial.

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Agnaldo Freire de Mariz faz selfie em churrasco, no dia 30 de abril. (Foto: Reprodução de processo)

Cronologia 5u704a

É 1º de maio de 2020, feriado do Dia do Trabalho. Os bombeiros e o plantão de polícia são chamados para um achado de cadáver no precipício da Cachoeira do Inferninho. No solo pedregoso, um homem jovem, com sinais de ter despencado de mais ou menos 30 metros de altura. Vestia cueca, bermuda e camiseta.

Dois dias antes, a família de Gleison da Silva Abreu havia comunicado à Polícia Civil o desaparecimento dele. Saíra de motocicleta, em tese para trabalhar – atuava como pintor – e não seria mais visto com vida.

Em 2 de maio, veio o reconhecimento do corpo como sendo o de Gleison. Estabeleceu-se o mistério: ele caiu? Foi jogado?  E a motocicleta, onde está?

Quem matou Gleison? 2p4v3s

Descobrir a autoria ficou a cargo da DEH (Delegacia Especializada aos Crimes de Homicídios), para onde vão os casos de pessoas desaparecidas. Só um ano depois, em maio de 2021, vieram as primeiras respostas efetivas e o caso adquiriu tons mais dramáticos.

Suspeito desde o início, Leandro Pereira Florenciano, ex-colega de Gleison quando ambos tentaram fazer faculdade de Direito, foi preso, junto com o cunhado dele, Agnaldo Freire de Mariz. Operação da DEH cumpriu mandados de prisão temporária, por 30 dias, para garantir as investigações, e fez buscas de provas.

Durante as diligências, surgiram indícios de estupro de criança do convívio de Leandro, um menino de 9 anos. O investigado acabou autuado em flagrante por crime sexual, pela DEPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente).

No mesmo dia, no fim da manhã, o ex-marido de Leandro, Emerson Borcheidt, 33 anos, cometeu suicídio, horas após descobrir a vindo à tona da violência sexual, partilhada entre o ex-casal.

A partir daí, Florenciano foi mudando a narrativa. No primeiro depoimento, em 5 de maio de 2020, negou qualquer envolvimento no sumiço e morte do amigo de faculdade. Depois atribuiu a queda do penhasco a um acidente. Um ano depois, na sequência do suicídio do ex-marido, ou a culpá-lo.

Segundo ele, Emerson tinha empurrado Gleison de cima do precipício por ciúmes, pois havia descoberto um relacionamento recente entre eles. Descreveu os dois homens como pessoas de difícil trato, em direção inversa ao modo como as outras pessoas definiam.

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Leandro Pereira Florenciado durante busca da Polícia Civil em sua casa. (Foto: Reprodução de processo)

Nenhuma das versões convenceu os investigadores. A DEH chegou à conclusão de que Leandro estava aplicando golpe em Gleison e em pessoas levadas por ele para um esquema de pirâmide financeira.

Na hora de devolver o valor esperado pelo investidor, preferiu dar fim à vida da vítima. Confrontado com as evidências, e diante da morte do ex-companheiro, decidiu atribuir a ele a responsabilidade, deduziram os policiais responsáveis pelo caso.

Para comprovar isso, a equipe policial precisou de quebras de sigilos telemáticos de telefone e de dados na internet, de buscas e apreensões em endereços ligados aos envolvidos, além de cerca de duas dezenas de depoimentos, todos gravados.

A vida virtual dos personagens foi vasculhada, por meio dos aparelhos eletrônicos. Nos rastros deixados, uma teia de mentiras, incluindo a criação de empresas e pessoas fakes para convencer os ludibriados a aplicar dinheiro em negócios com lucros fora da realidade. Era tudo estelionato, diz o caderno investigativo.

No resumo da ópera criminal, foi identificado que Leandro Pereira Florenciano geria a vida financeira de Gleison, sob a promessa de lucros superiores a R$ 150 mil, fruto de cota de R$ 15 mil. Seria a poupança a ser usada na mudança de país.

Iludido, o rapaz falava em viver sem trabalhar em terras italianas, onde acreditava já ter até garantia de apartamento mobiliado. Convidou, inclusive, a última namorada para a empreitada estrangeira.

O pagamento da tal soma estava previsto para o período entre 30 de abril e 10 de maio de 2020. Na data do homicídio, o jovem simples da região norte de Campo Grande saiu para ir ao banco mas terminou por ser levado à cachoeira, com os sentidos alterados, possivelmente dopado, até o destino fatal.  

Deslumbrado com a expectativa de receber valores altos sem precisar fazer muito, Gleison não só aplicou as verbas indenizatórias do emprego anterior, como pediu dinheiro emprestado a parentes, amigos e conhecidos, e serviu de chamariz para outras vítimas.

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Gleison, o jovem sonhador que perdeu dinheiro e a vida. (Foto: Redes Sociais)

Há diálogos captados mostrando isso, como por exemplo de uma mulher com quem se relacionava. Ela investiu quase nove mil reais, sob perspectiva de receber de volta, em oito meses, perto de 700 mil.

Contou à polícia ter emprestado a Gleison em torno de R$ 2 mil para completar a cota dele.

Dados obtidos com a quebra de sigilo telemático revelam monitoramento da conta bancária de Gleison, cujo o ao internet banking era feito do computador do acusado.

Em relação à conta do Google, onde fica registrado o trajeto virtual do internauta, o e-mail de recuperação de senha destinava para um endereço de Leandro Pereira Florenciano.

Foram encontrados prints de conversas entre os dois sobre as aplicações fajutas.

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Print de conversa de Whatsapp entre Leandro e Gleison sobre dados pessoais. (Foto: reprodução de processo)

Ligações expostas p2354

Em outra frente, a polícia relatou existência de uma empresa voltada a massagens masculinas, a Strong Man, em nome de Gleison mas no endereço onde Leandro morava, no bairro Guanandi. Derivado do nome, havia o Strong Card, espécie de cartão de desconto oferecido a empresas.

Leandro não tinha ocupação profissional. Dizia às pessoas estar esperando uma aposentadoria por problemas psiquiátricos. Ou ainda que vivia exclusivamente de aplicações financeiras.

Mais um indício contra o agora réu foi a compra de imóvel, no bairro Cophavila 2, feita com recursos que, para a investigação, vieram do golpe.

Contradições do acusado brotaram em várias fases do inquérito.  Quando a morte foi descoberta, Leandro alegou estar fora de Campo Grande, para levar o pai a Cuiabá (MT), estado de origem da família.

Pesquisas policiais indicaram ser falsa a informação. Ele foi para o estado vizinho, porém em dias anteriores. A viagem foi feita com um carro alugado e os registros da locadora desmentiram a versão.

A geolocalização via celular, da mesma forma, colocou Leandro e os comparsas em cenários ligados ao crime.

Mil páginas de inquérito 223vs

No caminho até os réus, foram usadas técnicas de investigação começando por refazer os últimos os da vítima. Os de Gleison incluíam o encontro com dois homens, perto de um supermercado no Jardim Columbia, bairro onde morava.

Um deles foi reconhecido como sendo Emerson e o outro Agnaldo Freire de Mariz.

Agnaldo, no dia da operação da DEH, estava com uma quantidade de cocaína, portanto também foi autuado por tráfico. Mais à frente, surgiu contra ele denúncia de violência sexual a menina de 11 anos. A equipe policial deslocou-se até Lucas do Rio Verde em MT, onde colheu depoimento tanto sobre a morte em apuração quanto sobre o estupro.

Inicialmente, quando interrogado, “Morcego”, apelido de Agnaldo, pouco contribuiu. Em novo depoimento, em fevereiro do ano ado, forneceu elementos importantes, ao confirmar um encontro com Leonardo Kammer da Silva, o “Leo do Pastel”, no dia 30 de abril de 2020.

O local foi exatamente o ponto onde o que sobrou da motocicleta da vítima foi localizado.

“Leo do Pastel”, conclui o inquérito, é a pessoa que ajudou a eliminar indícios, tal como se desfazer da moto. O quadro do veículo de duas rodas foi achado no dia 27 de maio, em um terreno na rua das Emboabas, Jardim Nossa Senhora das Graças. O destino das peças, segundo verificado, foi uma oficina mecânica.

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Quando ouvido na delegacia, Leonardo Kammer da Silva recusou-se a responder as perguntas, direito garantido legalmente.

Em seu desfavor, existem provas da presença dos lugares investigados e interceptações de conversas comprometedoras.

No dia 30 de abril de 2020, os dois homens participaram do mesmo churrasco.

Dos três réus, só Agnaldo Freire de Mariz está preso, por ter condenação a cumprir.

Leonardo Kammer tem ficha corrida longa, de violência doméstica a infrações relativas a posse de armas.

Condenação por estupro o563h

Leandro Pereira Florenciano era réu primário até começar a investigação sobre a morte de Gleison. Agora, além de acusado por homicídio qualificado, tem condenação por estupro de vulnerável na modalidade omissiva.

Explicando: a justiça entendeu, em relação ao abuso sexual descoberto na condução da apuração do assassinato, que embora não existissem provas cabais de ter cometido o estupro contra a criança envolvida, há convicção de ter existido abuso e de que ele tinha condições de impedir ou denunciar, e não o fez.

A sentença é de oito anos de reclusão. A defesa está recorrendo e por isso a liberdade do condenado.

À Capivara Criminal, o advogado de Leandro, Gustavo Scuarcialupi, alegou não haver provas contra o cliente de violência sexual.

Sobre a acusação pelo assassinato de Gleison, afirmou que vai se manifestar quando for notificado a apresentar a defesa por escrito à 2ª Vara do Tribunal do Júri.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Capivara Criminal, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

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