Toda Sexta é 13 4g6d1o

O Dia Internacional da Mulher e o terror que assombra o país 6t5h14

Nesta data tão representativa para a conscientização da sociedade, a coluna traz um conto sobre o medo da violência doméstica 1f6e5s

Todos os dias ela levantava com o misto de amor e medo.

Sim. Ela amava Alfredo. Nunca conseguiu deixar de pensar com carinho na primeira vez que flertaram.
O homem alto, bonito, de corpo atlético escolhendo-a entre todas as moças da festa junina.
Bum!

Dia internacional da mulher

O barulho da bomba que causou o susto. A deixa, sem querer, para que ele oferecesse o braço como apoio, o sorriso como conforto.

De lá pra cá, 30 anos de convivência. Três filhos e muitas feridas. Internas e externas.

Tudo mudou 10 anos antes. De repente, era como se ela não fosse mais a companheira para dividir os sucessos e amparar os fracassos.

Virou estorvo. Um muro de lamentações. Tendo ela mesma como alvo.

O corpo estava caído demais. O cabelo, despenteado demais. A voz, irritante demais. Tudo palavras dele.

Que ela ou a acreditar, apesar de manter a silhueta de quando se conheceram.

Nada, simplesmente nada o agradava.

Mas ela amava Alfredo.

Um pai impecável.

Trabalhador.

Fazia de tudo pelos filhos.

dia da mulher

Ela não podia recriminar seus rompantes. Ela entendia.

Tinha sido culpa dela.

Ele falou isso várias vezes com o hálito cheio de álcool enquanto esmurrava seu rosto.

Pelo menos enquanto conseguia ouvir.

O inchaço nas orelhas, muitas vezes, abafava demais o som das palavras dele.

E ficava difícil ler seus lábios moles quando os olhos, cheios de lágrima e sangue, fechavam contra sua vontade.

Tudo era dor.

Física e emocional.

Ela não se sentia culpada. E como doía quando ele cuspia isso sobre ela.

Era culpa do álcool. Da saudade.

A perda do filho mais velho foi um golpe dolorido demais.

Por que ela insistiu com o marido quando o rapaz decidiu ter uma moto?

Ela só queria ver o filho feliz. Que mãe não quer desejar o melhor pro filho?

E nem foi culpa dele o acidente.

O carro que ou o sinal vermelho também atropelou seu coração. Não só o do Alfredo.
Mas ele ficou tão arrasado.

Ela também, claro. Mas precisava ser forte. Tinha outros dois filhos para cuidar.

Só ela sabia o quanto estava destruída. Só ela sabia o quanto tinha de ser forte para manter a família em pé.

Só ela tinha essa força. Uma que o homem desconhece.

Muito mais forte que aquela que Alfredo demonstrava com os punhos cerrados nas noites de agressão.
Apesar de ele estar melhorando nesse quesito.

Os murros e tapas estão mais doloridos. Ou ele está aperfeiçoando a batida ou a pele dela, castigada, está cedendo mais rápido.

Antes, a frequência era tão menor. Começou com ofensas. Gritos. A voz alta assustava, mas os sussurros no ouvido, depois, pedindo perdão eram tão gostosos…

Brigar é ruim, mas a reconciliação vale a pena. Era o que diziam as amigas, a mãe, a sogra.

O primeiro ato de violência física reverberou por uma semana. Não na dor. O puxão de cabelos lembrou briga de escola na adolescência.

Mas o choque com algo que nunca tinha acontecido a deixou na defensiva por muito tempo.

O marido precisava dela. Ele estava perdido, coitado. Alexandre era o companheiro do marido.

Jogavam futebol juntos, faziam o trabalho de marcenaria amador juntos.

Eles até se pareciam! Não tinha nada dela.

Ao contrário de Afonso.

Sim, todos os filhos tinham nomes começando com A. De Amor. De Alfredo e Anielly, o casal que se conheceu graças a um estouro de festa junina.

Por que tudo não podia ser como antes?

Por que não ela não conseguiu se libertar dele antes?

Era o amor. Ela se enganava todos os dias para resistir a tudo.

Principalmente à vergonha. Vergonha de depender financeiramente dele.

Sem Alfredo, como ficaria?

Não tinha como morar com os outros dois filhos. Afonso estava longe demais. Não conseguiu aguentar ver a mãe sofrer desse jeito. E confrontar o pai não foi certo.

Temos de respeitar pai e mãe. Está na Bíblia.

Saudade de Afonso. Do cheiro dele. A voz pelo celular não tem cheiro. Não é macia. É distante.

E Amália já estava casada. Tinha dois filhos para cuidar e o marido. Anielly amava demais os filhos para ser um transtorno para eles.

Como queria cuidar diariamente dos netos. Que vontade gigantesca de tocar nos cabelos de Afonso, fazendo o cafuné que ele tanto gostava.

Mas mesmo que encontrasse o filho, agora, não conseguiria mais fazer isso.

Ela não sentia mais os dedos. A última vez que os sentiu foi quando tentou se defender da faca que Alfredo balançava em sua frente.

A lâmina estava afiada. Cortou do mindinho ao indicador da mão esquerda.

Doeu muito. Era acostumada com as pancadas. Mas a sensação da faca raspando os ossos frágeis dos dedos foi totalmente angustiante.

Os olhos dele nunca estiveram daquele jeito. Onde estava a raiva? Ela queria a raiva. A raiva ava depois de uns tabefes, uns xingamentos, uns empurrões.

A frieza do olhar dele não parecia ter escala.

Se não subia não tinha como descer. E com os olhos serenos ele enfiou a faca no ombro. Nossa, como doeu.

Sentia e carne rasgar como tantas vezes ela fez ao preparar o jantar para Alfredo.
Ela não conseguia pedir para ele parar.

Ele não conseguia parar.

A terceira pegou o seio esquerdo. Já tinha sentido dores no mamilo. Quando eles racharam durante a amamentação de Alexandre.

O guri tinha uma força tão proporcional quanto à fome.

Mas era uma dor de amor.

Agora, fruto de um ódio sem cura.

Melhor não resistir.

Melhor pensar apenas em levar o golpe fatal o mais rápido possível.

Estava difícil ar a sensação terrível de ser fatiada aos poucos.

Alfredo olhou a faca cheia de sangue.

Fez cara de nojo.

Ela viu que não era do vermelho gosmento e quente que cobria o instrumento.

Mas dela. Do simples existir dela.

Meu Deus! O que fez para acabar assim? O que fez para ter a vida transformada assim?

Pensamentos que foram cortados por um som estranho. Tentou prestar a atenção para ver de onde vinha.
Reconheceu.

Era de sua garganta.

Anielly estava engasgada pelo corte aberto de fora a fora em seu pescoço.

Como era difícil respirar.

Puxava o ar pelo nariz, mas ele não chegava aos pulmões.

Puxava o ar pela boca e era o sangue que ia para os pulmões.

A bochecha explodiu. Depois o nariz. Um dos olhos. O outro.

Logo, não teria nem como ser velada com o caixão aberto.

Alfredo só parou ao sentir que não conseguia mais ter condições físicas de continuar o ataque.
Ele se levantou. Tomou um banho. Pegou roupa no guarda-roupa para uma viagem longa.

Entrou no carro e sumiu.

Anielly ficou na escuridão.

A mesma que envolve milhares de mulheres no Brasil vítimas de uma violência injustificável.
Que este Dia Internacional da Mulher sirva para conscientizar as pessoas sobre o quanto essa triste realidade precisa de intervenção para acabar.

Do poder público, dos familiares, dos amigos, dos vizinhos, dos desconhecidos.

A coluna de hoje descreve um terror real.

Que precisa urgentemente de um final feliz.

Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Toda Sexta é 13, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (2) 3f1c4k

  • Marcenia wentz Francisco

    Comovente e triste a narrativa de uma mulher sem coragem de sair e gritar a liberdade.
    Muito triste mesmo esperar a morte ao lado de alguém tão insensível e brutal.
    Essas mulheres deveriam ser mais fortes, enfim morreram por amor ou falta de atitude

  • Crislaine Duarte

    Que história pesada ? muito triste saber que muitas mulheres ainda am por situações assim. Espero que todas tenham força para sair do relacionamento abusivo.

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