Dia do Pescador: 'causos e contos' de quem vive da fartura dos rios em Mato Grosso 5b554p
Prática milenar, a profissão de pescador carrega toda beleza do contato com a natureza, do conhecimento adquirido da ancestralidade e também os temores de estar, a maior parte do tempo, em contato com o desconhecido: o rio. Nesta quarta-feira (29) é celebrado o Dia do Pescador, dia em que também é comemorado o Dia de São Pedro, pescador que foi apóstolo de Jesus Cristo e hoje é padroeiro dos pescadores.

A profissão foi herdada do pai e ao longo de 60 anos o que Diógenes de Magalhães, 70 anos, tem são boas histórias para contar. Presidente da Associação dos Pescadores de Bonsucesso, distrito de Várzea Grande, ele compartilhou com o Primeira Página algumas de suas experiências mais marcantes, inclusive do dia que algo sobrenatural o fez parar de pescar.
Pai de nove filhos, dos quais dois são de sua atual esposa Sônia da Silva, ele conta orgulhoso que se aposentou após viver ao lado do rio por sete décadas. Ele lidera 126 filiados, entre pescadores e pescadoras profissionais, que enfrentam, segundo ele, todo tipo de dificuldade. Desde a possibilidade de não poderem mais pescar o pintado, até o assombro de verem a natureza ser degrada.
“Os pescadores quase não conseguem mais chegar perto da beira do rio, porque os que compraram terras, cercaram tudo. Além disso, as dragas assoreiam o leito do rio, e vai alargando, o que dificulta a sobrevivência dos peixes e do pescador. Atualmente, tem sido muito difícil e estão até fazendo uma lei para a gente não pescar o pintado. Se tirarem o pintado, é a mesma coisa que acabar com a pescaria para a gente”, disse ele.

Na lista de animais ameaçados de extinção, o pintado deve ser pescado de forma sustentável. No dia 7 de junho, o Ministério do Meio Ambiente publicou a portaria com a “Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçada de Extinção”, na qual consta a espécie. A Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) não proibiu a pesca, pois aguarda regulamentação desta portaria.
“Mato Grosso era um lugar lindo de se viver, porque a natureza não falha e ela castiga. Ela é viva e percebe tudo que está acontecendo ao redor dela. Eles não imaginam o que a natureza é capaz, porque não ligam pra ela, querem saber só de ganhar dinheiro e isso está acabando com toda a natureza. Não é o pescador que desbarranca o rio. O pescador é o guardião do rio, porque precisa dele para sobreviver”, completou.
Segundo Diógenes, quem vive da pesca como ele percebe a diferença no comportamento dos peixes. “O rio está degradado, mas quando eu tinha 20 anos de idade, já teve dias de eu pescar até 25 peixes sozinho. Hoje, você a 4h e pega três. O pessoal não entende que o peixe precisa subir o rio para desovar. O peixe é muito inteligente. Eu já tive pescaria que em que o peixe ficava jogando água em mim, boiava, e eu ava a noite toda e não conseguia pegar nem um”, lembrou.
Histórias de pescador 5pv64
A expressão “histórias de pescador” é comumente utilizada para dizer que um história pode ter sido aumentada, ou até mesmo inventada, no entanto, para Diógenes o termo se popularizou porque os pescadores dificilmente têm como comprovar o que acontece dentro do rio. Para pescar é preciso silêncio e calma, ou seja, distância da margem, o que leva a estarem quase sempre sozinhos.

“Falam isso porque acontecem coisas extraordinárias com a gente, mas como não filmamos, não tem a prova, alguns duvidam. Muita coisa eu vi no rio. O que mais me marcou aconteceu há sete anos. Eu estava pescando no Rio Porto Jofre (Poconé) e eu sai de noite para pescar, cheguei a uma certa altura e encostei a canoa em um barranco. Peguei um pintado, peguei outro e de repente eu vi um clarão no céu, mas quando eu olhei para baixo toda o rio estava claro. Embaixo da minha canoa estava tudo claro. Eu recolhi o remo na canoa e fui embora. Depois desse dia, eu nunca mais fui no rio”.
Com a voz embargada, Diógenes chorou e não soube expressar seu sentimento diante do clarão. Precisamos parar a entrevista por alguns segundos e esperar que o pescador pudesse falar sobre o seu último dia de trabalho. “Não tive medo, mas entendi que era o momento de eu parar. Eu fico triste. Eu não gosto de lembrar disso, mas em tudo o rio me deu o que comer, tudo que eu tenho. E a vida seguiu. Eu estou vivo graças ao Rio Cuiabá. Ele é minha vida”.
Você acredita? 1q495y
Que pescador vive muita coisa, disso ninguém duvida, mas já imaginou você ser preso pelo rio? Isso, segundo Diógenes, aconteceu com um de seus amigos.
“Tenho um amigo, que já faleceu e se chamava Olívio Beltrão, ele era o maior mergulhador que eu vi. Não havia profundidade que ele não fosse. Um dia ele mergulhou e a água trancou ele. Não descia e nem subia. Ele abanou o braço e o pessoal puxou ele, mas ele não saia do lugar. Como se tivesse uma coisa segurando ele”.
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Com muito esforço, ele conta, que jogaram Olívio na canoa. Aquele homem ou horas sem falar absolutamente nada. “Todo mundo perguntando e ele ficava quieto. Depois de um tempo ele disse que não viu nada, mas não conseguia sair do lugar. As pessoas pensam que a gente está brincando, mas o rio tem muito mais coisas do que as pessoas imagina”.
Onças e cobras do Pantanal 96q6n
Trabalhar às margens do rio tem suas dores e delícias, como por exemplo, se “encontrar” vez por outra com uma cobra sucuri ou uma onça-pintada. Diógenes relembra que já escapou da morte e que a onça-pintada reconhece quando os pescadores não irão fazer mal a elas, e não atacam.

“Um dia eu estava pescando com meu irmão. Acendemos uma fogueira do lado do rio, quando fomos voltar para a canoa, algo segurou minha perna e eu gritei para meu irmão, quando olhei era uma sucuri de uns 8 metros. Minha sorte é que ela pegou na barra da minha calça que chegou a rasgar. Se tivesse dado o bote na minha perna, não teria sobrevivido”.
“Outro dia, armamos uma barraca no Pantanal e saímos para pescar. Quando chegamos, a onça tinha furado as as com o dente. A onça lá é igual cachorro, ela a perto e a gente nem liga. Se você não atacar a onça, ela não ataca você. Só se ela estiver com muita fome mesmo. Lá tem muita onça, é de ficar bobo. Ninguém acredita nesses casos. Não acreditam nem no que é filmado, piorou se eu contar o que aconteceu comigo, sem foto, nada”.