Cosmologia Kayapó: cacique Raoni diz ter morrido e ressuscitado como pajé 2y4b2p

Na semana ada – durante um evento realizado no Parque Nacional do Xingu – uma fala do cacique Raoni Metuktire chamou a atenção dos participantes. Ele disse que, durante a pandemia, morreu e ressuscitou como pajé.

O Primeira Página conversou com um representante do povo Kayapó e com pesquisadores dos costumes deste povo para entender o significado da afirmação.

A frase foi dita no segundo encontro denominado Chamado de Raoni, realizado entre os dias 24 e 28 de julho, na aldeia Piaraçu, no Parque Nacional do Xingu.

Nos momentos em que ele falava sobre união dos povos e continuidade do trabalho que ele vem realizando para garantir os direitos dos povos indígenas, ele repetia que já havia morrido que, a partir de então, atuaria como pajé.

Ele estava se referindo ao processo de transição. Inclusive, logo após o evento, ele anunciou o cacique Megaron Txucarramãe, de 68 anos, como líder do grupo que irá sucedê-lo.

O que ele quis dizer 2t165h

De acordo com a crença do povo Kayapó, todos nascem capazes de se tornar paje. No entanto, durante a vida, o indígena precisa seguir algumas diretrizes e, em especial, cuidar muito do corpo físico para conseguir alcançar também a elevação espiritual necessária para receber o dom de ser pajé.

Neste caso, Raoni, desde muito jovem, procurou seguir os direcionamentos dados pelos ancestrais. Ele não consome, por exemplo, alimentos que são considerados nocivos para o espírito, como banana, leite, carne bovina e, das carnes de caça, apenas um pedaço bem pequeno retirado próximo da costela do animal.

Além disso, ele sempre foi praticante de jejuns e momentos de oração e de espiritualidade.

“Ele nos conta que uma vez, ainda quando era bem jovem, ele ficou muito doente e, dormindo, teve uma visão, onde recebeu a visita do espírito de um ancestral que mostrou para ele uma planta de onde viria a cura para a doença que ele estava enfrentando”, contou o sobrinho neto de Raoni, Patxon Metuktire.

Nessa ocasião da visão, ele descreve como se o espírito tivesse saído do corpo dele. Inclusive, ele conseguiu ver a mãe chorando, porque ela achava que ele não sobreviveria. No entanto, ele acordou, recebeu o remédio que o ancestral havia mostrado no “sonho” e ficou curado.

Desde então, segundo Patxon, Raoni relata uma série de outras visões e contatos feitos com ancestrais que concedem a ele o dom da cura. Em outras ocasiões em que ele ficou doente, também conseguiu informações importantes sobre plantas medicinais e comportamentos que poderiam salvar a vida dele e de outros parentes adoecidos.

“No caso da covid, foi a mesma coisa, ele conseguiu se curar por meio da ajuda dos espíritos que se aproximam dele e o fortalecem. Então, a cada doença que ele vence, é uma ressurreição. O que não significa a morte do corpo físico, mas primeiro é o espírito que se cura para depois, curar o corpo”, explicou Patxon.

Em 2020, Raoni foi diagnosticado com covid-19 e ou vários dias internado em uma UTI. Não se sabe ao certo a idade do cacique, mas acredita-se que ele tenha entre 85 e 90 anos.

Elevação espiritual 1i4b33

De acordo com o antropólogo e professor da UFT (Universidade Federal do Tocantins), André Demarchi, de maneira geral existe, dentro da cosmologia do povo Kayapó, o entendimento de que o espírito se desliga do corpo, em algumas ocasiões, como no caso de uma doença, por exemplo.

“Isso pode acontecer durante o pós-parto, por exemplo, enquanto a mulher se recupera. Como o corpo está fragilizado, eles acreditam que a alma se desprenda. Existem outros elementos envoltos na cultura sobre essa questão da morte”, comentou ele.

Ele explicou ainda que, normalmente, é o pajé quem promove a cura de outros indivíduos. Mas, no caso do Raoni, ele encontrou a cura sozinho e sim, retorna como pajé, como quem tem o dom da cura.