Annabelle: a Barbie que gosta de vermelho 12b6w
A boneca ficou conhecida no universo da franquia cinematográfica Invocação do Mal; objeto demoníaco está trancado no museu de caçadores de espíritos 1w544m
Quando minha filha era pequena, assistia, com ela, ao desenho Barbie Fairytopia. Enquanto ela se encantava com o poder da boneca loira e mágica com lindas asas de borboleta, eu me divertia com o Fungo, o vilão que queria apodrecer o reino encantado da personagem principal.
Ao longo dos anos, ela começou a descobrir o lado lúdico do terror e ou a ser uma colecionadora das bonecas Monster High, inspiradas nos principais monstros da história. Até hoje, ela tem um monte delas.
Fui um grande incentivador, afinal, como não gostar de figuras como Draculaura e Frankie Stein?
No entanto, a recíproca não evoluiu. Por ironia do destino, a filha de um escritor de terror morre de medo do sobrenatural. Perdi minha companhia para assistir a filmes inspirados em brinquedos.
Pelo menos, os que eu gosto. A minha Barbie não chega a ser contra o rosa. Mas prefere mesmo o vermelho… ainda mais na ponta de uma faca reluzente.

Sim, estou falando de Annabelle, a boneca amaldiçoada que sempre foi tratada como um objeto de extremo perigo pelo casal Ed e Lorraine Warren. Os investigadores paranormais que viveram nos Estados Unidos e que ficaram famosos por solucionar casos terríveis.
Quem assistiu à Invocação do Mal tem uma amostra do que a vidente e o demonologista enfrentaram na carreira macabra. Casas mal-assombradas, capirotos, freiras doidonas. Tudo que é ruim ou pela fé de Ed e Lorraine. Inclusive, muitas relíquias amaldiçoadas estão num museu em homenagem ao casal.
E uma delas é a boneca com a qual ninguém quer brincar. Annabelle chegou ao cinema em 2014, um ano depois da estreia estrondosa de Invocação do Mal (um dos melhores filmes da safra moderna de terror).
O spin-off (filme derivado de outro) começava bem. Com um casal sendo acordado por gritos dos vizinhos. E eles tinham razão pra gritar. A filha adotiva deles estava matando os dois.
A obra que apresenta a fúria da boneca ao público, no entanto, não me empolgou. Na verdade, empolgou pouca gente. No site Rotten Tomatoes ela recebe 28% de aceitação dos críticos e 35% do público.
Motivo pra Annabelle ser trancada nos confins do esquecimento? Claro que não. Filme de terror tem produção barata. E com o marketing do universo do mal criado por James Wan a seu favor, uma sequência foi encomendada.
E aí amos a irar o poder desta boneca. Annabelle 2 – A Criação do Mal chegou aos cinemas em 2017, um ano depois de Invocação do Mal 2 – outro sucesso absoluto do gênero.
E a boneca que até então só assustava criancinhas, evoluiu demais.
Annabelle 2 conta a origem da personagem. Samuel, um criador de brinquedos, constrói com maestria uma edição limitada de uma boneca com vestido branco. Na cena de abertura, ele monta a número 1 de 100 exemplares. A montagem é de uma sutileza assustadora.
É incrível como olhar as peças quem compõem uma boneca separadas, penduradas, provocam incômodo. Aqueles bracinhos pequenos. Cabeças redondas sem cabelo e sem olhos. Troncos ocos.
A atmosfera foi bem montada pelo diretor sueco David S. Sandberg, especialista em curtas de terror. Depois de conseguir aumentar para 70% a aceitação dos críticos e para 68% o tomatômetro da audiência no Rotten com Annabelle 2, ele foi convidado para dirigir os dois filmes do super-herói Shazam, do universo DC Comics.
O sueco cria uma empatia com os personagens ao mostrar o sensível relacionamento entre Samuel e a filha, Annabelle. Junto com a mãe, vivida por Miranda Otto (de O Senhor dos Anéis), os dois vivem felizes numa casa gigante numa pequena comunidade norte-americana.
Certo dia, ao sair da missa, a família tem um imprevisto: o pneu fura na estrada.
Uma tragédia acontece e o casal se desespera a ponto de rezar a qualquer força – do bem ou do mal – para que possam conviver com a filha de novo.
Como não é um filme de esperança, claro que a segunda opção é que topa. E um demônio bem assustador a a integrar a família. Ponto para os roteiristas que acertaram demais em não fazer da boneca – a exemplo já batido de Chucky – o instrumento de morte.
Annabelle é só um receptáculo para o ser de outro mundo. Um ser realmente assustador. Capaz de fazer transformações de arregalar os olhos e de aparições pra causar sustos.
Mas ter apenas duas pessoas – o casal – para assustar é muito pouco para sustentar um longa-metragem.
Então, mais uma bola dentro dos roteiristas.
A casa, que já teve o tamanho mencionado aqui antes, recebe um ônibus com garotas órfãs que perderam o imóvel do orfanato anterior e não teriam para onde ir.
Graças a bondade de Samuel e da esposa, elas são acolhidas.
Chegam, além da freira que cuida do grupo, as irmãs Linda e Janice. No caminho elas prometem ficarem juntas pra sempre. Só aceitariam adoção se os candidatos levassem as duas.
Colocar crianças num filme com uma boneca assassina não poderia ser mais adequado. Ver um adulto ser dominado por uma boneca que tem metade de seu tamanho é algo que exige uma grande benevolência para relevar o improvável.
Mas quando os tamanhos quase se equiparam e você coloca um demônio com provavelmente século de experiência em causar o mal frente a frente com uma criança inocente – e, ainda no caso de Janice, com uma deficiência na perna por causa da pólio – o cenário muda de figura.
É incrível como Annabelle 2 deu um salto de qualidade em relação ao primeiro longa. E o melhor: vale a pena começar a saga por ele. O final tem até uma deixa para ligar ao primeiro filme, ado 12 anos depois. Tem também o Annabelle 3, que confesso, não vi. Mas que, nas avaliações, fica entre o 2 e o 1 em qualidade.
A trilogia está disponível no streaming da HBO Max.
Outra curiosidade de Annabelle 2 – que não para de ganhar pontos positivos – é que o filme mostra a boneca original. Aquela que está no museu dos Warren. Ela é bem diferente da que foi criada para o cinema. E por uma simples razão. Não tem nada de assustadora. Pelo menos visualmente: é uma boneca lançada em 1915 com o nome de Raggedy Ann. De pano, cabelo vermelho, nariz desenhado em forma de triângulo e olhos enormes.
Eu tive a chance de ver uma réplica dela numa instalação em São Paulo: o Parque do Terror. Os organizadores recriaram o Museu Oculto dos Warren, localizado em Monroe, no estado de Connecticut.
Foi muito legal olhar pra ela. E, claro, reconfortante saber que era só uma cópia, um brinquedo mesmo.
Encarar a original seria um grande desafio. Ainda mais ao saber que um casal, certa vez, em visita ao museu, riu da boneca e bateu no vidro do armário onde está presa até hoje. Dias depois, andando de moto, ele perdeu o controle do veículo e morreu ao bater numa árvore.
O próprio Ed Warren contava que, quando recolheu Annabella da casa que ela assombrava, levou-a para Monroe no banco de trás do carro dele. A partir disso, o veículo começou a demonstrar várias panes e defeitos que só pararam depois de ele jogar água benta no banco onde a boneca estava.
Histórias que fazem com que a família Warren, responsável pelo museu após a morte de Ed e Lorraine, insistam em manter a fama de que o brinquedo é, entre as centenas de objetos recuperados de sessões de exorcismos e desobsessões, o mais perigoso e assustador item em seu acervo.
Em tempos de sucesso da boneca que ama cor-de-rosa não será surpresa se Annabelle for retirada do receptáculo do esquecimento pra voltar a dar cores vermelhas ao mundo desses brinquedos.
E enquanto Barbie deseja um mundo melhor pras mulheres, Annabelle quer apenas um corpo para habitar.
Ken se habilita?