"Dai de comer aos que têm fome": fala atribuída a Jesus nunca fez tanto sentido 554010
Fome bate na porta das famílias pobres brasileiras, que às vezes só comem porque tem gente que se solidariza e doa alimentos 4yb2q
Quem alimenta os que têm fome, alimenta a Jesus, o líder espiritual mais popular da humanidade. A sentença está entre as mais conhecidas da Bíblia.
E nunca, nos últimos anos, tantos precisaram de ajuda para algo tão essencial à sobrevivência quanto nutrir o corpo. A fome está batendo à porta dos brasileiros, de milhões deles, criando cenas impressionantes como as filas em Cuiabá (MT) por pedaços de ossos de animais, ou as situações de insegurança alimentar extrema, nos bairros localizados nas bordas de Campo Grande, como você vai ver neste texto.
Ao mesmo tempo a solidariedade também mobiliza pessoas. Diante desse quadro, para muitos é hora de o exemplo arrastar, de a máxima “dar de comer a quem tem fome” ser colocada em prática.
Desempregado, Cristiano mora na Cohab Novo Horizonte, em São Paulo. Mesmo sem ter condições, pegou para si a tarefa de ajudar pessoas com algum tipo de necessidade. Cris, como é chamado, é líder social nato. Seu trabalho ajuda em torno de 600 famílias, com materiais de todo o tipo, como por exemplo cadeiras de rodas.

“Os casos chegaram até a mim, de várias partes do bairro e eu começo a mandar mensagem nos grupos, pedir a algumas associações, e quem tem me doa e eu empresto para essas famílias, sem prazo determinado”, explica ele sobre as cadeiras de rodas fornecidas. Hoje, está de posse de 45, todas sendo usadas pelos beneficiários.
Como já dito, Cris está sem emprego. A esposa faz bico em uma pizzaria à noite. Nesta semana, tanto ele quanto outros vizinhos, receberam a visita de um casal que, de forma anônima, trouxe mantimentos. Sentados no sofá da residência simples, os moradores falaram de sua rotina, e, diante da comida que chegou, mostraram agradecimento.
Para Gislaine e os quatro filhos, a “compra” entregue trouxe alegria. Gislaine estava preparando o almoço com o que tinha. Era bem pouco. A primeira coisa para qual os olhos se voltaram foram os ovos.
“Eu só tinha dois ovos e não tinha mais molho de tomate. E a salsicha frita…”, descreve sobre a refeição em preparo.
Gislaine contou aos doadores, que não serão identificados nessa reportagem a pedido, que ia fazer um “mexido” com dois ovos e a salsicha.
“Faz um tempinho que não como carne, por causa do preço. É um ovo, uma salsicha”, descreve ao ser perguntada há quanto tempo não chega a proteína animal na casa.
Pedir, as crianças pedem, conta. “Mas não pode comprar”, resigna-se.
Para gente nesse quadro de pobreza, a situação chega ao extremo de vender os próprios bens, de uso doméstico, para garantir a “mistura”, ou mesmo os itens mais básicos.

Dona Edna contou isso em rede nacional, em reportagem do jornalista Fabio Turci, exibida no Jornal Nacional do dia 8 de julho. Segundo o relato, o primeiro bem vendido foi a máquina de lavar, depois de perder o emprego de doméstica.
Foi a partir dessa reportagem, mostrando que mais famílias estão precisando fazer isso, que o casal citado neste texto decidiu agir. Dona Edna recebeu um sacolão reforçado e posou para foto na frente das mercadorias.

Por todo o país 5j76g
Esses personagens são de São Paulo (SP). Os doadores, que têm ligação com Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, entregaram alimentos para 6 famílias, após se compadecer com a reportagem de sexta-feira ada.
O material jornalístico integra uma série de produções do Jornal Nacional, da TV Globo, que vem rotineiramente mostrando o quanto o problema da insegurança alimentar se agravou no País.
Em uma das últimas reportagens, o jornalista Paulo Renato Soares retratou a volta do Brasil ao “Mapa da Fome”, estudo da Onu (Organização das Nações Unidas) sobre o tema. Havia mais de 5 anos que a publicação não era feita, porque o panorama estava melhor.
Tudo piorou, e muito, conforme os dados. No Brasil, segundo a ONU, 28,9% da população vivem em condição de insegurança alimentar, ou seja, não tem mínimo suficiente para nutrição. Para pouco mais de 4%, é ainda pior. Essas pessoas am fome.
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde o Primeira Página está presente, não fogem a essa realidade.
“Fila dos ossinhos” 22m1s
Centenas de pessoas fazem fila em um açougue no bairro A, em Cuiabá, capital do Mato Grosso, para ganhar ossos com restos de carne. Muitas delas chegam a dormir na fila.
Homens ficam de um lado da fila e mulheres, do outro. A ideia é facilitar a distribuição, mas a prioridade é para elas, já que muitas são chefes de família e vão para o local com crianças no colo.
A doação é feita há mais de 10 anos. A fila, que em média era formada por cerca de 200 pessoas, quase triplicou no momento mais crítico da pandemia, quando muitos ficaram desempregados.
A distribuição na chamada “fila dos ossinhos”, como ficou conhecida, é feita toda segunda e quinta-feira, às 6h.
Restaurante popular 6g576
Cuiabá tem um único restaurante popular em funcionamento atualmente. Lá, o almoço é servido a partir das 11h. São atendidas principalmente pessoas desempregadas e de baixa renda.
Há quatro meses, Luiza Silva Rousalvo, que está sem trabalhar, vai ao restaurante, indicado por uma amiga. Por medo de ficar sem comer, se antecipa. “Chego cedo, às vezes 8h, tem vezes que chego 9h. Encareceu tudo, e aí fica difícil”, disse.
O restaurante popular existe desde 2004 e viu o movimento crescer 29% no primeiro semestre deste ano, na comparação com 2019. São 600 refeições servidas por dia, de segunda a sexta-feira, ao custo de R$ 1. Para almoçar, é preciso cadastrado no Cadastro Único.
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Vivendo de doações 31h4n
Em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, não há restaurante desse tipo. Já existiu, até a década de 2000, no Parque Lageado, mas a iniciativa acabou.
O jeito, para quem vive a falta até de comida, é se virar e esperar por auxílio.
“Aqui no Noroeste, a situação das famílias vem sendo assolada pela pandemia. Diminuiu muito o poder aquisitivo. Agora, eles enfrentam a inflação, além do reflexo da pandemia. Isso reflete diretamente na mesa”, conta Arino Abrão da Fonseca, idealizador do projeto Pingo de Luz, realizado no bairro da região leste de Campo Grande.
“Nós distribuímos cerca de 40 sacolões para famílias que estão ando por extrema dificuldade, que não tem emprego, ou vivem casos de doença, como câncer, que tiram esse pessoal do mercado de trabalho”, conta.

O testemunho de Arino é revelador do que os dados de pesquisa contam apenas em números. “Anteontem eu levei sacolão para uma família que não tinha alimento nenhum em casa”, diz.
Cenas de geladeira vazia são rotineiras para ele. “Muitas das vezes com crianças em casa”, completa. Na opinião de Arino, a falta de qualificação profissional dificulta ainda mais a vida dessas pessas.
Hellen Bueno de Oliveira, 40 anos, viu na reciclagem de materiais a forma de ganhar o pão.
“Moro eu, minhas duas crianças e meu esposo. A única coisa que eu tenho é o Bolsa Família e o Mais Social, mas não está dando, o gás tá custando 120, daí tem cesta básica, tem dia que as meninas pedem leite e não tem”, relata.
Não tem muito, e ainda assim, há partilha. “Eu ainda ajudo outras famílias, porque está todo mundo precisando”, conta Hellen.
Ela diz que pede doação “pra um, pra outro”. Sua definição é comovente. “Abraço todo mundo, aqui é igual coração de mãe”.
O relato feito por Hellen é, no fim das contas, bem triste. “Ontem mesmo, a menina me pediu pão, não tinha nem 1 real”.
“A coisa mais triste é ver um filho pedindo pão e leite e você não ter, é bem difícil”. Nesse momento, a mãe chora, como você vai ver no vídeo abaixo, que encerra essa reportagem.
Comentários (1) 3kf3p
“Dai de comer aos que têm fome”
Não é somente ao ser humano, mas também aos animais que tanto sofrem.