Onde está o predador? 225a3v
Hoje vim aqui para te dar a mão e dizer que mulher nenhuma está livre da narrativa de um psicopata, por mais preparada que seja. 582b59
Essa história pode ser minha. Ou não.
Pode ser a sua história. A história de uma mulher forte, linda, empoderada e ciente de sua grandeza que se envolveu com um predador. Hoje vim aqui para te dar a mão e dizer que mulher nenhuma está livre da narrativa de um psicopata, por mais preparada que seja. Nem eu, nem você, nem sua mãe, nem sua filha.

O predador está na mesa ao lado, está dirigindo o carro que te leva para casa, está no almoço de domingo. É o ator da novela que você adora, é o pai da sua melhor amiga, é o filho da sua vizinha. O predador está ao seu lado.
O predador está no seu Instagram.
Acompanha sua rotina, reage aos pequenos momentos compartilhados. Ele sabe os livros que você gosta, o que você vê no cinema, com quem você sai. Ele calcula coisas em comum, puxa assunto, e de tão ciente do seu poder de persuasão, nem cogita ser rejeitado. Ele te lê na velocidade da luz e vai focar no seu ponto fraco logo de cara. Com um predador, não há delongas.
Ele começa enaltecendo você. Se a autoestima estiver baixa, pronto, você vai ar a depender dos elogios dele para se sentir especial. Depois ele identifica seus gatilhos e os protege muito bem – guarde essa informação. Aos poucos ele constrói um pedestal no meio da sala pra te botar em cima. E você aceita.
O predador cataloga o seu ado. As dores dos outros relacionamentos serão todas usadas contra você. Elas vão te fragilizar, minar sua confiança e te fazer questionar sua própria sanidade. Você vai se ver pedindo perdão quando merecer desculpas, vai se ver fazendo coisas que detesta, vai se transformar em uma mulher que você não é. Uma versão mal e porcamente pintada com cores que você nem gosta. Um arremedo de si mesma, um espectro do que sempre foi.
Sua alegria vai sumir. A solidão será sufocante. Você não verá graça em mais nada que não seja ele, que não tenha ele, cada pensamento seu será por ele. “Meu Deus, como foi que cheguei nesse ponto”? Você vai se perguntar, para logo em seguida questionar “Por que ainda não falou comigo? Será que eu fiz alguma coisa”? E lá estará você, como um cachorro fiel sentado na porta da casa esperando qualquer migalha de atenção. Neste momento, você estará pronta para o que ele quer.
O predador está na sua casa.
Lembra dos gatilhos bem protegidos? O predador guarda todos no bolso.
Quando você começar a perceber a teia na qual está presa, quando começar a questionar, ele vai desembalar os gatilhos um a um e jogar no teu colo. Cada vez que você se posicionar, ele vai preparar uma tonelada de culpa com requintes de crueldade e vai usá-la para te detonar, a agressão que não deixa marcas.
O tempo vai ando. Ele segue sorrindo, apertando mãos, recebendo elogios, abraçando pessoas, ganhando seu dinheiro, bebendo seu vinho. Ele vai estendendo a teia para mais mulheres, a mesma tática, tão pouco original e ao mesmo tempo tão eficaz. Você vai se apagando e ele, acendendo. Você vai diminuindo e ele, crescendo. Até de que de você não reste mais nada e ele tenha tudo. Até o dia em que ele vai olhar pra você e não ver mais nenhum brilho. Esse é o exato momento em que você vai perder a graça. O próximo o, nós já sabemos. Ele vai te descartar como a embalagem de algo que lhe serviu apenas para matar a fome.
E aí você me pergunta: o que restou dessa mulher?
E eu te respondo: absolutamente tudo.
Você acha mesmo que uma mulher forte vai chegar até o fundo desse poço e ficar por lá?
A mulher da minha história é inteligente.
Ela desce do pedestal, quebra ele em mil pedaços e constrói um palco para si no lugar.
A mulher da minha história é corajosa.
Ela denuncia, apesar de toda a culpa que lhe jogam. Enfrenta o escrutínio público, o conivente que silencia, a pessoa que não se mete, os juízes da internet. Ela desnuda o predador de todo o poder que ele pensa que tem. Na praça pública dessa mulher, o abusador é o alvo do desprezo do povo, não a vítima.
O predador está na academia, na polícia, na política, no jornal, no BBB.
O predador é o seu irmão, seu filho, seu pai, seu melhor amigo, seu ex-marido, seu ídolo. É seu colega de trabalho, é o atendente da farmácia, é o filho do deputado, o vendedor, o senador, o corretor, o contador de histórias.
O predador é o homem que você dirá “Quem diria”.
Essa história pode ser a minha. Ou pode ser a sua.
Mas na minha história o predador não morre por justiça, como o odioso vilão de um filme. Ele morre é de fome. Morre de desimportância.
Seu ego gigantesco é mortalmente atingido quando ele sente o nível do seu desprezo. Ninguém disfarça o asco.
O predador morre ao saber que o feitiço acabou, que você o viu como ele realmente é: feio, chato, obtuso, antiquado. Ele não é tímido, é desagradável. Não é caseiro, é antissocial. Não é brilhante, é culto porque precisa se informar e deu a sorte de viajar muito. Ele defende pautas sociais mas nunca ou dificuldade alguma. Sempre foi privilegiado, exceto de amor.
Você lembra que ele tem bafo, frieira, que se veste mal e está ficando careca. Você começa a sair do transe e pensa “Meu Deus do céu, como pude me interessar por esse completo imbecil?”
Predador quem?
Não lembro. Vem cá mana, vamos tomar um café juntas? E aí, como está o trabalho?
E lá se foi mais um para a lata do lixo, onde é o seu lugar.
Mas ele não vai desaparecer. Sempre terá outro em outra esquina.
Sobreviva. Levante a cabeça, renasça, reerga, rebrilhe.
É assim que se vence o predador.
E onde está o predador?
Bem… O predador não está.