Na casinha rosa da rua Dom Aquino há 64 anos, Osélia viu cidade crescer e preso fugir a pé em Campo Grande 3b4m36
Moradora do mesmo endereço desde 1957, Osélia guarda muitas relíquias no lar que construiu 5pp5y
Aos 90 anos, Osélia Maksoud Torrecilha viu e viveu muitas histórias na casinha rosa da rua Dom Aquino, em pleno Centro de Campo Grande. De preso que fugia a pé da ex-penitenciária central da cidade até prédios que foram surgindo, um a um, ao lado do Belmar Fidalgo. “Quando chegamos aqui, não tinha nada”, conta.

Moradora do mesmo endereço desde 1957, Osélia guarda muitas relíquias no lar que construiu. Há geladeira comprada na década de 50, que ainda funciona, livros do marido e um piano responsável por aumentar em cada nota, o amor da família pela música. Além de tudo isso, existem as lembranças de uma Campo Grande que já ficou para trás.
“Não existia nada nessa região quando nós chegamos, na época era só a minha casa. Como eu tinha esse terreno, aproveitei e construí a nossa casa aqui”, relembra.
De vizinho ilustre só a Penitenciária Central, onde hoje é o atual Fórum de Campo Grande, e o Belmar Fidalgo, estádio construído em 1933 e que virou praça em 1987. “Vi muito preso fugir a pé da penitenciária e o policial correndo atrás. Fingia que não estava vendo nada”, ri.

Nascida em Aquidauana, Osélia relembra que mudou com a família para Campo Grande aos 4 anos de idade e permaneceu na cidade até partir para o Rio de Janeiro, onde estudou farmácia. Os números exatos do ado já não são o forte de dona Osélia, por isso quem ajuda é a neta Anne Torrecilha, que está ando uma temporada ao lado da avó.

“Ela é muito inteligente e muito querida”, se derrete Osélia. Segundo Anne, tanto a avó quanto o avô, Sylvio Torrecilha, voltaram para Campo Grande apenas após concluir os estudos no Rio de Janeiro.
“Ela veio morar aqui em meados na década de 50. A vovó fez faculdade de Farmácia no Rio de Janeiro, teve as filhas, a Maria Lúcia, a Marta, e então mudou-se para cá, com o vovô, que estudou Medicina. Depois, eles tiveram mais duas filhas, a Sylvia e a Júlia”, explica.

Os dois chegaram em Campo Grande com duas filhas pequenas no colo e uma geladeira, comprada com o primeiro salário de Osélia e ainda presente nos fundos da casinha rosa e com o nome de “frigidaire”. Mesmo depois de tantos anos, o eletrodoméstico ainda funciona, como uma memória palpável dos velhos tempos.
“[A geladeira] tem um pouquinho mais de 50 anos, está perfeita, ainda funciona. Eu não trago [para a cozinha] porque é muito pesada e quando eu tenho que guardar algum remédio, alguma coisa, eu deixo lá e ninguém mexe. Ela fica de reserva”.
A casa ainda guarda alguns móveis dos anos 60, e também tem vários detalhes originais, que nunca foram alterados desde a construção, como e os azulejos. “Nunca reformei, porque eu teria que sair daqui para mexer na casa. E não tem como nesse momento”, justifica.

Juntos por mais de 60 anos, Sylvio e Osélia só se separaram quando ele faleceu, em 2020. O tempo distante, ela também não contabiliza.
“Eu vivi os melhores momentos aqui. Fiquei triste quando fiquei sem o marido, fiquei viúva. Mas, a gente não tem que cultivar a tristeza, a gente tem que ver que foi muito bom enquanto estive com ele, sente falta, mas não fico recriminando. Eu também não guardo quando ele morreu, acho que faz uns dois anos”, acredita Osélia.
Entre as plantas que ela tanto gosta e a varanda que ainda bate um vento fresquinho, Osélia arruma tempo para cantar as músicas dos anos que aram. Na força da voz, há espaço para “La vie en Rose”, de Edith Piaf, e “Pé de Manacá”, de Isaurinha Garcia, este último em homenagem à árvore que permanece há anos em frente a casinha.