Jaqueline Naujorks

Não Sou Obrigada 6o2533

Mesa para uma w6f1a

É estranho celebrarmos sozinhas as batalhas que vencemos sozinhas? 6f1n37

Entrei no restaurante chique já ava de 2 da tarde. Em São Paulo, no Morumbi, qualquer portinhola é um bistrô refinado. Era dia de semana e a cidade estava movimentada, mas ali, desconfiei que encontraria pessoas mais velhas e não errei. Reparando no público, percebi que era composto basicamente por homens de terno, executivas com o blazer na cadeira, mesas ocupadas por casais, cada um com seu celular. Um ambiente perfeito para exercitar minha mania feia de reparar nos outros e imaginar suas histórias.

Quando morava em São Paulo, eu raramente folgava aos finais de semana, então, nos dias mais frios, juntava todo o limite do meu cartão de crédito e caçava restaurantes escondidos atrás de portinholas para jantar. Ia sozinha, tomava um vinho, comia bem e voltava para casa de taxi me sentindo muito adulta, dona do mundo todo, batendo meus saltos como Carrie Bradshaw.

Naquela época, eu fazia isso sem poder: trabalhava muito, ganhava pouco, mas para quem saiu do interior do Rio Grande do Sul sem eira nem beira 10 anos antes, morar na maior cidade do país e usufruir dessas coisas era o auge. Numa dessas, fui a uma exposição num lugar famoso em Pinheiros e cheguei tarde, o lugar estava fechando. Era um sábado frio e eu não queria voltar para casa. Saí andando meio sem rumo, só sentindo o vento gelado no rosto, uma memória afetiva muito forte para mim.

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ando numa ruela qualquer, algo me chamou a atenção. Uma casa estreita, pintada de verde, cheia de plantas, com o interior todo iluminado a velas. Mal acreditando na minha sorte, percebi que era um restaurante escondido atrás de uma portinhola! Escolhi uma mesa de canto e aconteceu o que eu mais gostava nesse ritual: o garçom percebeu que eu jantaria sozinha. Rapidamente recolheu a louça sobressalente e arrumou a mesa só para mim. Mesa para uma.

Assim que me ajeitei na confortável poltroninha, um homem sentou-se ao piano perto da minha mesa e começou a tocar um jazz levíssimo, baixinho. Decidi que me demoraria ali.  Pedi uma garrafa de vinho (não uma taça) e um risoto trufado. Olhei em volta e percebi que era a única pessoa sozinha naquele restaurante, ao cair de uma noite fria de sábado. No pequeno salão, uns 10 casais conversavam. Nenhum celular na mão, nenhuma luz maculando a beleza da suave penumbra oferecida pelas velas.

O vinho chegou, o garçom trouxe um potinho de queijos e disse que era “uma cortesia da chef”. A delicadeza do gesto dispensava outras palavras. Cumpri sozinha todo o rito de servir o vinho dignamente, ajeitei meu casaco como uma coberta sobre as pernas, me acomodei, respirei fundo e deixei aquele jazz entrar, sublimando a cena, guardando a lembrança vívida dentro de mim. Tão vívida que, 12 anos depois, ainda sei descrevê-la com exatidão.

Eu sabia que o momento lindo duraria pouco, porque pagar aquela conta sozinha não era algo que eu pudesse fazer. ei no crédito e vivi de miojo no mês seguinte. Mesmo assim, não deixei que nada manchasse a beleza daquele jantar. Nada me tiraria a plenitude daquela lembrança.

Mês ado, estava eu entrando em um restaurante no Morumbi às 2 da tarde. Apesar do horário, o ambiente era relativamente pouco iluminado e achei familiar. Escolhi uma mesa bem no meio do salão e o garçom delicadamente me perguntou: “Espera alguém, senhora?”. Sorrindo, respondi que não. Na hora ele iniciou o protocolo Mesa para Uma e eu confirmei a impressão que tive na outra vez. Esse pessoal está plenamente acostumado a ver mulheres celebrando sozinhas.

Pedi uma taça de vinho e um risoto trufado. No som, uma playlist de jazz tocava baixinho. Estava em plena onda de calor, mas mesmo assim, estendi meu blazer sobre o colo e me recostei no sofá. Não tinha ninguém ao lado. Na mesa à frente, um casal comia, cada um imerso no próprio celular, assim como as poucas pessoas em volta. Dessa vez tomei vinho com moderação, mas pedi menu completo, com entrada, almoço, sobremesa, café, repeteco do café e uma merecida gorjeta para o garçom.

Reencontrei aquela noite gelada de sábado dentro de mim e comemorei, sozinha, a possibilidade de novamente celebrar comigo uma conquista bem particular. Dessa vez, não precisarei comer miojo para pagar o cartão. Estava em São Paulo para assistir ao show da Alanis Morissette, minha cantora favorita da vida. Celebrei, sozinha, a alegria de ar aquela refeição no débito. Para qualquer pessoa isso pode parecer pouco, mas só eu sei o quanto me custou cada o até aqui.

Algumas mulheres não têm a possibilidade de lutar acompanhadas, não têm ajuda, nem rede de apoio, nem mesmo um colo para chorar sua fragilidade no fim do dia. É exaustivo e revoltante, porque não temos outra opção a não ser continuar. Dessas mulheres, espera-se que sigam firmes e de cabeça erguida como incansáveis guerreiras, que preferem dormir a comemorar.

Sua vitória não é um ato de generosidade da vida. O sucesso não é uma liberalidade do destino, abrindo uma exceção. Esse lugar é confortável e você é plenamente digna dele. Celebre suas conquistas! Chegue no restaurante sozinha, com a espinha reta e encare de cima o olhar de quem (ainda) não está habituado a ver mulheres comorando consigo e dizendo “Eu mereço!”, algo que não seria questionado se estivessem em uma boutique ou salão de cabeleireiro.

Nesse mundo em que não nos ensinam a ocupar espaços de poder, temos que nos educar para o estrelato. Da próxima vez que uma vitória for fruto da sua inteligência, do seu esforço e competência, tire um momento para comemorar com você. Reconheça seu talento, celebre seu esforço, jogue glitter na sua trajetória. Chegue no restaurante da vida e antes de se juntar aos seus, se dê o direito de pedir a Mesa Para Uma.

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Este conteúdo reflete, apenas, a opinião do colunista Não Sou Obrigada, e não configura o pensamento editorial do Primeira Página.

Comentários (2) 3f1c4k

  • marcus Souza

    Muito legal o texto. Só fiquei na dúvida se isso realmente aconteceu ou se é uma bela obra de ficção. De uma forma ou de outra, muito inspirador.

  • Julianna

    Chorei… mas não de tristeza e sim por saber que no mundo existem pessoas maravilhosas como a Jaque… São tantas incontáveis vezes em que só pude contar comigo mesma e isso me emociona… comemoremos sim cada pequena vitória porque merecemos tudo de melhor que a vida tem a nos dar!!!

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