Famílias abrigadas em ginásio há mais um ano pedem socorro em VG 72f2d
Crianças, idosos, mulheres e até animais de estimação esperam decisão da Prefeitura de Várzea Grande após terem sido despejados de invasão 5x1g1e
Imagine você ar um ano e quatro meses morando em barracos de lona improvisados, sem cozinha, sem qualquer estrutura, junto com mais 26 famílias e não ter qualquer expectativa de um dia ter uma casa própria. Essa é a realidade de Nicole Rodrigues de Souza e outras dezenas de pessoas que vivem no Ginásio Valdir Pereira, em Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá.

Nicole, Joelson Campos, Ana Cristina Dias e outras 50 pessoas são sobreviventes da desigualdade social e do abandono. Eles chegaram ao ginásio depois de serem despejados do Residencial Colinas Douradas, após decisão judicial.
O residencial é de propriedade particular, mas foi invadido por mais de mil famílias no ano de 2020. O despejo deixou centenas desabrigados, e aqueles que não conseguiram se realocar estão até hoje buscando uma forma de sobreviver.
O Primeira Página foi conversar pessoalmente com essas pessoas, que tentam de toda forma transformar o ginásio precário em um lar. Tapetes nas portas improvisadas dos barracos, plantinhas, potes de ração e água para os pets, quadrinhos com mensagens motivacionais fazem parte do cenário, em contraste às goteiras, infestação de pombos, falta de ventilação e banheiro sem condições de uso.
Conheça Nicole 505c3o
“Era umas 10h, e eu fazia comida com duas latinhas. Eu peguei um tambor que tinha o etanol para jogar no fogo mas explodiu tudo. Lembro só da dor e de ver meu corpo todo pegando fogo. As roupas grudaram no meu corpo. Eu fiquei na carne viva, minando sangue. Já ei por tudo isso, e agora ainda estou aqui”.

Esse é o relato da jovem Nicole, 23 anos, que enquanto fazia o almoço para as duas filhas pequenas em latas usando etanol para fazer o fogo, não percebeu em que momento mas as latas explodiram e ela teve 80% do corpo queimado. Uma das pernas não dobra por conta das sequelas deixadas pelas queimaduras e o único emprego que consegue é o de faxinas esporádicas.
O acidente foi registrado no residencial Colinas Douradas, onde morou por dois meses até que aconteceu a explosão. Ela ficou três meses internada lutando pela vida e quando recebeu alta descobriu, pouco tempo depois, que não tinha para onde voltar.
Tentativa de ter um lar 562s6o
Antes de chegarem ao ginásio, Nicole e o marido não conseguiram mais pagar o aluguel da quitinete onde moravam. Ela, o marido e as duas crianças se viram na rua e, no desespero, invadiram uma casa abandonada. No entanto, segundo Nicole, o Conselho Tutelar foi acionado e disse que a família não poderia continuar no local, que sequer tinha um telhado e as condições de higiene eram precárias.

A família se separou, e mãe e filhas foram para uma Casa de Amparo. O marido para um albergue. “Disseram que o conselho teria que tomar minhas crianças e fui para essa Casa de Amparo, mas não consegui os benefícios sociais e fiquei sabendo que tinha esse residencial Colinas. Lá, eu consegui entrar, mas não podia levar móveis”.
A família ficou dois meses no residencial, quando o grave acidente deixou marcas para sempre em Nicole. O único e que ela recebe atualmente é uma cesta básica doada pela Prefeitura de Várzea Grande, que chega uma vez por mês.
“Dá para umas duas semanas, depois a gente vai se virando. As crianças vão para a escola, e lá tem comida também. Aqui só ficou quem realmente não tem ninguém para ajudar e não tem a mínima condição de sair, porque quem tinha como, já saiu faz tempo”, completou.
Mães solo 3p5b6p
Grande parte das famílias que estão no ginásio em Várzea Grande é formada por mães solo, que criam seus filhos sozinhas, sem nenhuma ou com pouca ajuda do pai. Esse é o caso da Ana Cristina Dias Sorrilha, de 26 anos, que é mãe de 3 filhos e não chegou a concluir o ensino fundamental. Ela também está morando no local há 1 anos e quatro meses.
Ela contou à reportagem que era casada, mas com o despejo do Colinas Douradas seu marido não aceitou ir morar com a família no ginásio e decidiu se separar. “Porque foi uma decisão minha vir pra cá e ele não quis. Foi para casa de parente dele. Só que ele me ajuda com as crianças, mas somos só eu e meus filhos. Aqui ninguém está porque quer, mas por necessidade”.
Para driblar a fome, Ana Cristina conta que faz algumas faxinas na região, mas que não tem geladeira e todos dormem em apenas uma cama. Emocionada, ela chora ao falar do futuro e pede que alguém ajude.
Em meio a dor, o ensinamento 5l1f2e
Joelson Campos de Oliveira tem só 28 anos de idade, mas sua maturidade e a forma de ver a vida são inspirações. Cadeirante há cinco anos, desde que sofreu um grave acidente de carro, ele não consegue trabalho e vive com a família, formada pela mulher e mais dois filhos.
Enquanto ia para o trabalho, o pneu do carro estourou, causando um acidente, e ele ficou um mês na UTI e um mês na enfermaria. Como sequelas, perdeu o movimento das pernas, e do braço direito, além de ter ficado cego de um olho e lidar com dores de cabeça diárias por causa do traumatismo craniano que sofreu.

“Tenho caco de vidro do para-brisas até hoje na cabeça e sinto muita dor. Perdi um olho, quebrei várias partes da face. É triste, mas a gente vai levando”.
Joelson, mesmo sem querer, dá um dos ensinamentos mais importantes para a vida de uma pessoa: a valorização de um companheiro.
Em tempos de feminicídio e misoginia, Joelson diz orgulhoso à reportagem que se casou com 19 anos, e que aprendeu tudo que sabe com sua mulher.
“Ela que me ensinou a ser homem, porque era moleque. Ela que me ensinou fazer comida, porque homem tem que fazer o dever de casa. Ela que me ensinou lavar roupa, porque eu não sabia. Ela me ensinou tudo. Eu não tinha emprego, e ela trabalhava fora, então eu ficava em casa cuidando das crianças, arrumando elas para ir à escola”.

A filha mais velha do casal tem 18 anos, e Joelson conta orgulhoso que já é avô com 28 anos. “Ela é minha filha de criação, né? Me deu dois netinhos, um de 3 anos e outro de 1 ano. Ela é manicure, mas queria vir morar aqui esses tempos atrás, mas não deixei. Aqui pega muita doença, coceira, tem muita goteira, o banheiro está precário”.
Joelson conta que começou um boato de que populares iriam invadir o Colinas Douradas e ele decidiu acompanhar a multidão, pois estava morando de favor na cada de uma tia e achou que, enfim, poderia ter uma casa própria.
“Ficamos quatro meses lá e depois nos tiraram e estamos aqui, mas é difícil porque tem pombos, muita alergia que dá nas pessoas e está cada vez mais difícil. Quem está aqui é guerreiro, porque realmente não tem para onde ir”.
A pedido da reportagem, Joelson levou o Primeira Página no banheiro coletivo do ginásio para mostrar como faz para tomar banho sendo cadeirante. O local está precário, com vasos quebrados, sem qualquer ibilidade para ele e o cheiro é inável. “Os pombos sujam tudo e a gente não consegue reformar o banheiro”, disse ele, claramente envergonhado com a situação.
O que diz o poder público 725i6f
A Prefeitura de Várzea Grande informou ao portal que, em parceira com o Governo do Estado, busca alternativas para atender as famílias, no entanto, não entrou em detalhes sobre quais tratativas estão sendo tomadas e nem se existe algum prazo para que uma solução seja apresentada.
O Governo do Estado não se pronunciou até a divulgação desta reportagem. Também entramos em contato com a Defensoria Pública de Mato Grosso, para saber se há algum defensor acompanhando o caso, mas a resposta foi que a DPU (Defensoria Pública da União) poderia estar no caso. No entanto, não obtivemos resposta de Brasília.
Enquanto fazíamos a reportagem, uma caminhonete da prefeitura chegou ao ginásio com a caçamba cheia de cestas básicas. Os alimentos foram distribuídos às famílias, que assinavam o recebimento e agradeciam aos servidores municipais. Uma idosa, ao perceber a reportagem observando, chegou a posar para uma foto. Ela queria mostrar que tinha comida agora.
