Estudante com paralisia cerebral prova que é possível ser o que você quiser
Para ajudar Rafael a concluir sua formação com sucesso, amigos da família criaram uma vakinha online. Veja como ajudar ao final da reportagem
Repercutiu nas redes sociais na última semana a história do Rafael Douglas de Matos, de 25 anos. Ele tem paralisia cerebral e conquistou uma vaga no curso de ciências da computação pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). O Primeira Página foi acompanhar o desafio diário que é para ele e a mãe, Maria do Carmo, acompanharem as aulas. Essa é uma história de luta e, sobretudo, inclusão e a diferença que ela faz na vida de alguém.
Ao contrário do que muitos pensam, não são todas as pessoas com paralisia cerebral que tem deficiência intelectual. O Rafael, por exemplo, escreveu sozinho um novo capítulo pra sua história em um computador adaptado, na casa simples onde mora com a mãe, outros cinco irmãos e um primo.
“Ele sempre gostou de estudar. Na verdade, ele começou a aprender a ler e escrever sozinho, sem escola, sem nada, em casa mesmo. Aí ele pediu pra mim que queria estudar. Levei ele para escola, pedi na escola uma ibilidade melhor, arrumaram tudo pra ele e aí foi isso, ele conseguiu até hoje graças a Deus”, destaca Maria do Carmo de Matos, mãe de Rafael.
Ela conta ainda que a iniciativa para se inscrever no Enem partiu diretamente de Rafael.
“Ele entrou naquele computador – que graças a Deus, um amigo nosso advogado deu pra ele – e fez a inscrição sozinho. Só me chamou no quarto para avisar que tinha feito. Aí ele fez a prova, foi na escola daqui mesmo, teve bastante ajuda e quando lançou o Sisu também fez o cadastro e aí saiu que ele tinha tinha ganhado a única vaga na UFMT”, relata orgulhosa.

Por causa da paralisia cerebral, o Rafael não desenvolveu a fala mas isso não o limitou. Ele se comunica com os dedos dos pés, inclusive foi assim que ele nos deu as boas vindas. Veja vídeo abaixo.
Agora ele é estudante de ciências da computação e não esconde a felicidade. Ele nos contou que já tem até matéria preferida, algoritmos. A mãe, diarista, é maior incentivadora desse sonho e é quem o leva para assistir as aulas.
“Pra trazer embora é tudo eu de novo, aí tem que pegar na sala, fazer todo o trajeto. É muito tempo e não sobre tempo pra mim cuidar dos outros filhos, não sobra tempo pra fazer serviço de casa, não sobra tempo pra trabalhar, pra receber um dinheirinho a mais, é só o benefício dele que nos socorre”, disse Maria.
Rafael e a família moram no Distrito da Guia, a cerca de 30 km de Cuiabá. Todos os dias, ele e mãe precisam caminhar 10 minutos em uma estrada de chão para chegar até o ponto de ônibus. Um caminho muito difícil, com buracos, pedras e às vezes, lama, o que, com a cadeira de rodas, torna o percurso ainda mais desafiador.
“Chega a noite, fica escuro alguns pedaços, aí preciso usar o celular pra ‘alumiar’, pra gente não cair no buraco. Aí ele [Rafael] vem fazendo força, me ajudando pra cadeira não tombar nas quebradinhas de estrada e a gente vêm nesse sufoquinho aí. Mas com coração e fé a gente consegue sempre tudo”, afirma.
Para chegar na UFMT eles enfrentam dois ônibus. Ao todo, um trajeto de 1h e 40 min. Sorte que eles contam com motoristas como o Joelson Oliveira.
“Apesar de ser a minha obrigação como motorista, satisfaz demais a gente poder conduzi-lo todos os dias e estar bem de pertinho da luta que é da dona Carmem [Maria do Carmo]. Tem gente que reclama da vida e não sabe a vida que eles têm”, disse emocionado.
Na faculdade, Rafael distribui sorrisos por onde a e coleciona amigos. Com a ajuda de monitores, ele assiste as aulas junto com os outros colegas. Um exemplo prático de inclusão.

“Eu tenho um irmão que também tem paralisia cerebral e a gente não imaginava que ele podia estar numa faculdade e quando eu vi ele [Rafael] na aula, pensei que era filho do professor que tinha vindo acompanhar. Depois que eu fui ver que ele era estudante mesmo, que eu vi ele no segundo dia”, conta Melissa Maria Souza, colega de sala de Rafael.
“A história dele é uma coisa de emocionar porque a gente fica limitando nós mesmos, colocando desafios pra gente e ele não vê barreiras”, conclui a estudante.
A mãe conta que ele realmente não vê barreiras. Confiante e carismático, ele sabe do que é capaz.
“Ele é bem carismático, qualquer um que olha pra ele já faz amizade. Ele cativa aquele amor nas pessoas, as pessoas e agora na faculdade não é 100 é mil. Na verdade na faculdade ele foi uma novidade pra todo mundo, para os professores. Nunca tinham recebido uma pessoa no estilo dele, que não fala, não anda, não tem os movimentos pra poder conseguir seguir os estudos e tem a mente maravilhosa, a cabeça dele é um computador”, reforça a mãe.
O coordenador do NAI (Núcleo de ibilidade e Inclusão) da UFMT, Túlio Adriano Gontijo, explica que atualmente Rafael conta com quatro monitores inclusivos, ligados ao núcleo, que o auxiliam em sala de aula, e também atendimentos.
“Em casos como do Rafael e de outros alunos que precisam, que é atendimento em leitura, adaptação de material e tudo mais”, afirma o coordenador.
Túlio ressalva que o NAI possui cerca de dois anos, e reconhece que, apesar dos avanços, a inclusão ainda enfrenta muitos obstáculos. Segundo ele, a UFMT busca se adaptar às diferentes realidades desses estudantes. Tanto em questão de estrutura quanto de acompanhamento.
No fim, essa luta vale à para Maria, que aguarda ansiosa pelo diploma do filho.

“Maior alegria do mundo pra mim estar trazendo ele aqui, esperar ele aqui, eu sei que obstáculos a gente tem, mas a gente tem que quebrá-los. Eu acredito que ele vai conseguir e eu com ele, sonhando ao mesmo tempo, junto”, conclui a mãe.
Amigos criam vakinha
Para ajudar Rafael a concluir sua formação com sucesso, amigos da família criaram uma vakinha para ajudá-lo a adquirir uma cadeira de rodas motorizada; uma reforma no quarto em que ele estuda e dorme; e um carro para a mãe dele, para facilitar o transporte para a faculdade. A vakinha está disponível neste link.