Dormindo com o inimigo: a maldição da violência doméstica – parte 3 696w20
Hoje a tarefa é falar sobre a Lei Maria da Penha e esclarecer quais são os tipos de violência doméstica 2q2v18
Esta é a terceira e penúltima parte do artigo “Dormindo com o inimigo – a maldição da violência doméstica” que começou no sábado, dia 4 de fevereiro. Na primeira parte mostramos que há séculos as mulheres lutam contra a desigualdade de gênero que está na base da violência doméstica, a maldição cultural que mata quatro mulheres todos os dias no Brasil.
No segundo artigo contamos a história de Maria da Penha, a mulher que emprestou seu nome à Lei 11.340/2006, evidenciando que os casos de violência doméstica se desenvolvem de forma semelhante, dentro do que se chama de “ciclo da violência”.
Hoje a tarefa é falar sobre a Lei Maria da Penha e esclarecer quais são os tipos de violência doméstica. Na quarta última parte, na semana que vem, vamos falar das medidas protetivas.
A Lei Maria da Penha foi resultado de um grande debate social do qual participaram um conjunto de ONGs e a sociedade civil em geral, por meio de audiências públicas ocorridas em assembleias legislativas das cinco regiões do país.
Os resultados das discussões foram organizados por um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e enviados pelo Governo Federal, em forma de projeto de lei, ao Congresso Nacional. A partir daí novos debates foram estabelecidos nas duas casas legislativas, e outras sugestões foram incluídas. O resultado final foi a aprovação, por unanimidade, no Congresso Nacional.
É importante dizer que a Lei Maria da Penha veio para cumprir dois tratados internacionais que o Brasil assinou, a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), e a Convenção para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher, chamada de Convenção de Belém do Pará, da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que é de 1979, foi promulgada no Brasil originalmente pelo Decreto 89.460, de 1984, e posteriormente pelo Decreto 4.377, de 2002.
Essa Convenção visa a proteger a mulher de toda forma de discriminação, entendida como qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
ou a ser dever do governo brasileiro promover ações para modificar os padrões socioculturais de conduta de homens, e de mulheres, a fim de combater os preconceitos e costumes baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos. Mais que isso, por meio de um documento redigido em 1979, o Brasil também se comprometeu a promover a educação familiar que inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos deve estar em primeiro lugar.
Não há dúvida que a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher representava uma grande revolução nos campos político e jurídico, mas que durante muito tempo ficou só no papel.
O outro tratado internacional, chamado de Convenção de Belém do Pará, foi assinado por mais de 30 países no ano de 1994, mas somente dois anos depois o Brasil viria a promulgá-la por meio do Decreto nº 1973, em 1º de agosto de 1996.
Os representantes dos países também registraram na convenção que a violência contra a mulher é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.
Ela estabeleceu o direito de toda mulher a ser livre de violência, de todas as formas de discriminação e a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento, costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.
Ela previu o conceito de violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
Dentre as obrigações que o Brasil assumiu, estavam a de incorporar na sua legislação as normas necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher.
Foi preciso dez anos, e muita luta, para que viesse a Lei 11.340, de 2006, a Lei Maria da Penha, para garantir a proteção da mulher contra a violência doméstica e familiar, entendida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
É importante saber que para a lei, a violência doméstica não está restrita à casa ou à família, mas abrange qualquer relação íntima de afeto na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a mulher, mesmo que não tenham morado juntos.
Mas, afinal, quais são as formas de violência doméstica contra a mulher? A lei diz que são, dentre outras, as seguintes:
- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A lei estabelece esses cinco tipos de violência doméstica contra a mulher, mas expressamente registra que pode haver outros. De qualquer forma, é importante que se sabia que violência contra a mulher vai além da violência física e sexual, mas também a violência psicológica, patrimonial e moral.
Na semana que vem, vamos tratar das chamadas medidas protetivas que estão disponíveis às mulheres que são vítimas de qualquer um dos tipos de violência doméstica.
Fico por aqui, para não estender demais o texto.
Que vocês mulheres tenham um carnaval livres de todo tipo de violência!
Um abraço e até semana que vem!