A cura pela maconha e o direito de plantio em casa – parte final 2qm6b
Saiba como a Justiça vem tratando do fornecimento do canabidiol pelo SUS e Plano de Saúde; tem até paciente que pediu para cultivar cannabis sativa em casa 3qt31
Nesta última parte do artigo sobre canabidiol vamos discorrer sobre como a Justiça brasileira vem tratando da questão do fornecimento da substância pelo SUS e pelo Plano de Saúde. Também iremos tratar do inusitado caso no qual o paciente pediu autorização ao Poder Judiciário para cultivar cannabis sativa em casa, para extrair o óleo da planta.

Anteriormente, mostramos que há milhares de anos a planta vem sendo utilizada para fins medicinais. Falamos também sobre a utilização medicinal da cannabis sativa na atualidade.
Mostramos que, entre as doenças mais comuns tratadas com canabidiol, as principais são Epilepsia, Ansiedade, Parkinson, Dor Crônica, Autismo, Depressão, Demência, Câncer e Alzheimer. Todavia, os benefícios do óleo vão muito além dessas doenças, sendo indicado para quadros de distúrbios do sono, recuperação muscular, estimulação de apetite, espasticidade, entre outras condições.
O problema é que o preço do canabidiol ainda é muito caro no Brasil. Por isso, muitas pessoas precisam do Estado para ter o ao tratamento, isto é, do SUS. A questão é que o canabidiol ainda não foi incorporado ao SUS.
O tema ainda está sendo discutido no Congresso Nacional, onde existem vários projetos de leis, dentre eles o Projeto de Lei 481, de 2023, que pretende instituir a “Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal à Base de Canabidiol” nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS.
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Por enquanto, a solução é ingressar com uma ação no Poder Judiciário para obrigar o Estado a fornecer o canadibiol, com fundamento no artigo 196 da Constituição Federal, segundo o qual a saúde é direito de todos e dever do Estado. Quando o paciente é uma criança, o artigo 227 da Constituição ainda determina que o atendimento deve se dar com absoluta prioridade.
Inúmeros pacientes estão recebendo uma resposta positiva do Poder Judiciário brasileiro, a exemplo do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), que já determinou o fornecimento de canabidiol para uma criança com epilepsia.
A discussão sobre a obrigação do Estado fornecer o canabidiol para tratamento de epilepsia já chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal). No caso, nenhum outro medicamento foi capaz de controlar as crises convulsivas de uma criança, que chegavam a 80 por dia. Com o uso do canabidiol, o número de crises diárias caiu para cinco.
Os pais de crianças portadoras do transtorno do espectro autista também estão recorrendo à Justiça. Mas não só. Há decisões judiciais determinando o fornecimento de canabidiol para tratamento de síndrome de Ganser, de transtorno de humor, de síndrome de West, Alzheimer, Parkinson, esquizofrenia, transtorno do pânico, depressão, ansiedade e fibromialgia.
Para que o Estado seja obrigado a fornecer o canabidiol, o paciente precisa demonstrar, por meio de um laudo médico, que os medicamentos usuais do mercado não produziram o resultado esperado para o controle dos sintomas, sendo indicado o uso do canabidiol.
A mesma lógica vale para quem tem Plano de Saúde. Os Tribunais vêm determinando o fornecimento de canabidiol quando demonstrado, por meio de um laudo médico, que os medicamentos convencionais não alcançam bons resultados.
Finalmente, temos o curioso caso do paciente que entrou com um pedido de Habeas Corpus para poder cultivar a planta cannabis sativa em sua casa, e extrair o canabidiol. O caso foi julgado em 2022 pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em Brasília (STJ – RHC: 147169 SP).
Nele, o autor, Guilherme, de 25 anos, demonstrou que realizou “diversos tratamentos médicos, desde os 12 anos de idade, para depressão profunda, desejo de automutilação, desejo de atentar contra a própria vida, isolamento, angústias, choros, crises de vômitos, fraqueza, tristeza extrema, fobia social, medo, pânico, vertigens, perda do apetite, emagrecimento, estresse generalizado, esgotamento emocional, insônia, perda da capacidade respiratória e desmaios. Os tratamentos incluíam antidepressivos, calmantes, ansiolíticos, medicamentos para dormir, para acordar e para se manter vivo, sem qualquer melhora na qualidade de vida, deixando-o cada vez mais apático e isolado, vivendo dopado de medicamentos”.
Em razão desse quadro, Guilherme teve dificuldade em concluir seus estudos, perdeu emprego, perdeu oportunidades na vida, não conseguia estabelecer relacionamentos afetivos e sociais, fato que agravava seu quadro de depressão e ansiedade. Tudo relatado em laudo pelo médico.
Foi então que a mãe de Guilherme participou de um curso sobre cannabis medicinal na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e vendo o sucesso em casos similares aos do seu filho, decidiu tentar o tratamento com o extrato da planta inteira. Para isso, ela precisava cultivar a cannabis em casa.
No processo judicial, Guilherme demonstrou que o óleo extraído da planta inteira possui várias outras substâncias, além do canabidiol (CBD), que em conjunto potencializam os efeitos benéficos à saúde. “Sabe-se, ainda, que há centenas de fitoquímicos na planta de cannabis, todos trabalhando juntos para produzir seus efeitos. Essa sinergia é conhecida como efeito comitiva”.
Pesquisas demonstraram que o extrato da planta inteira tem um efeito diferente do canabidiol isolado. Foi descoberto que o motivo para isso é a interação entre todas as substâncias da planta de cannabis (mais de 113), o que o cientista Dr. Rafael Mechoulam, que descobriu o THC, chamou de “efeito comitiva”. Em poucas palavras, o óleo da planta inteira é mais eficaz que o óleo do composto isolado de canabidiol (CBD).
É importante dizer que o óleo da planta inteira não possui o efeito psicoativo conhecido como o “barato” da maconha. Por isso, a mãe de Guilherme optou pelo autocultivo da planta cannabis sativa, como muitas famílias brasileiras estão fazendo.
Desde que Guilherme ou a fazer uso desse óleo artesanal, produzido em casa, de forma barata e eficaz, seu quadro de saúde melhorou significativamente e, ainda, sem onerar a família, já que na sua atual condição não poderia custear o óleo canabidiol industrializado.
A decisão do STJ foi de autorizar Guilherme a cultivar 15 mudas de cannabis sativa a cada 3 meses, totalizando 60 por ano, para uso exclusivo próprio, enquanto durar o tratamento, nos termos de autorização médica, a ser atualizada anualmente.
Vale registrar que, antes, no ano de 2020, a Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis Medicinal) já havia sido autorizada pela 4ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro a plantar cannabis, realizar pesquisas e fornecer medicamentos para os pacientes associados (Procedimento Comum n. 5038838-88.2019.4.02.5101/RJ).
Chegamos, assim, ao fim deste artigo sobre o uso medicinal da cannabis sativa, conhecida como maconha, no qual amos pela história da planta, usos medicinais na atualidade e aspectos legais e jurídicos.
Não há dúvida de que o potencial da planta para tratamento dos diversos transtornos de saúde aqui citados é animador. Por isso, se você conhece alguém que seja portador de um desses quadros, encaminhe este artigo. Vamos compartilhar o conhecimento!
Um abraço e até a próxima semana!